quinta-feira, 12 de junho de 2008

Série Cias. de Teatro do Rio



Cia. Teatro Autônomo

Clássicos Modernos







Descobri esse grupo tarde demais, acompanho seu trabalho apenas a partir do espetáculo “Deve Haver Algum Sentido em Mim que Basta”, depois vi “E Agora Nada é Mais Uma Coisa Só” e agora “Nu de Mim Mesmo”.

Na primeira vez que fui ao teatro ver uma montagem dessa Companhia, antes de começar o espetáculo, lendo o programa e tomando conhecimento do que se propunha o grupo e especialmente a montagem que ia ver, fiquei apreensivo e de antemão, levemente mal humorado com o que ia ver. Pensei... Mais um grupo... Mais um diretor que promete em textos muito bem escritos, na verdade incompreensíveis, prenhes de frases de efeito e que no fundo, prestando alguma atenção e procurando entender, eles não dizem rigorosamente nada. Pior... O espetáculo que se assiste em seguida, nem chega perto das intenções pretendidas , e com muito mais freqüência ainda, a peça não tem nada a ver com que está escrito. Paciência, isso acontece muito por aqui... Aí veio a terceira chamada e a luz apagou... Começou o espetáculo.

Fiz essa introdução para dizer que a Cia. Teatro Autônomo, não tem nada a ver com o que está escrito ai em cima. O grupo consegue teatralizar o que pensa, desenvolver até mais do que promete e se propõe, e o faz com muita competência. Fiquei encantado e mais que isso, sai do espetáculo com a impressão de que alguma coisa nova havia sido acrescentado à linguagem e estética teatrais, pelo menos para mim, só não sabia o que. Procurava na minha cabeça enquadrar o que acabava de assistir com alguma convenção teatral que conhecia ou já tinha visto e não encontrava nada. Uma contribuição e tanto para o teatro brasileiro, para o do Rio de Janeiro então, eles estão acima do bem e do mal.

O diretor criou uma linguagem de palco desconhecida para mim. Aparentemente, ele imprime a cena, uma convenção naturalista na escolha do texto, na interpretação, no figurino, objetos de cena, (o cenário foge um pouco, determina um espaço simbólico e atemporal sempre), a trilha também, as vezes confirma e exalta a emoção ( outra causa estranheza). Mas trata-se de um naturalismo tão extremo, tão levado aos limites, que acaba por colocar uma lente de aumento potentíssima que ultrapassa essa linguagem, revelando e refletindo de maneira poderosa as relações humanas e nossa pobre e frágil condição humana, nossos sentimentos, sonhos, decepções, idiossincrasias, a ponto de







vermos com uma clareza imensa o absurdo de estar num mundo cada vez mais fragmentado , individualista e com pouca esperança. Isso tudo sem recorrer a nenhuma das conhecidas técnicas do dito teatro do absurdo. Essa lente de aumento também mostra a potencialidade da própria arte teatral, e essa interpretação naturalista do mundo, aparentemente emocional, da forma como é estabelecida, em vez de te envolver em uma atitude contemplativa e serena como a maioria das vezes seria lógico, te distancia e instiga.

É curiosa a relação que as montagens estabelecem com o público, penso ser conseqüência não só da manipulação e controle de todos os elementos teatrais, mas principalmente da construção do espaço, bem pensado e bem elaborado na sua distribuição de objetos , nos recursos explorados durante a ação e no posicionamento do público. Esse espaço nunca é dissociado da ação, ao contrário, completa-a e explica-a. Curioso notar como o grupo sempre propõe e realiza um avanço da sua proposta, em relação ao espetáculo anterior e em como a convenção impressa no espetáculo coloca sempre o público em movimento, interior ou não, mas sempre a vontade. Não se trata do público se movimentar em espaços diferentes para acompanhar a ação, recurso muito usado, mas sim no fato do público escolher o que quer ver ou até, se quer ver a cena ou não, ou de que maneira. É dado a platéia, o direito de refletir calmamente, sem pretender entender tudo. O público acaba escolhendo o que vai ver e não perde nada. Afinal, é como a gente vê a vida, mais ou menos a gente escolhe o que quer e o que não quer ver ou viver, e criamos nossas próprias estruturas na imaginação.


A Cia tem um núcleo artístico fixo, fundamental creio, para continuação de suas propostas. Um elenco equilibrado , valioso e competente. Direção, dramaturgos e técnica talentosos e absolutamente conscientes das suas funções e possibilidades. Formam a trupe: Jefferson Miranda-Diretor; Flávio Graff-Diretor de Arte e Dramaturg; Felipe Storino-Diretor Musical; Renato Machado-Iluminador; Miwa Yanagizawa- Atriz; Otto Jr-ator; Adriano Garib-Ator; os convidados Gisele Fróes-Atriz; Fabio Dultra-Ator; Julia lund-Atriz e sempre que vi, os mesmos produtores Sergio Sabóia e Silvio Batistela.

O trabalho de direção de arte é surpreendente, pensado para ser bonito, funcional, objetivo e altamente informativo, tudo o que é preciso para contar bem uma estória. Antes, em montagens anteriores, eu acho, havia no espaço como um todo, uma preocupação estética mais definida, uma unidade, certa limpeza. Hoje, acho que há no espaço criado, principalmente no último espetáculo, uma fragmentação e um desmembramento de leituras e recursos talvez exagerado, o que pra mim suja um pouco a cena na sua totalidade. O foco, a pequena ação que é desenvolvida, continua sendo objetiva e inteira, mas as vezes deslocada do resto. Tenho também para mim que há um uso excessivo da tecnologia, pessoalmente acho desnecessário e que não acrescenta ao espetáculo. Foge para mim, dos elementos primordiais, dos objetivos e do ritual teatral.







Os Figurinos são adequados e informativos, os objetos de cena são significantes. Dizem que uma boa luz é a que não aparece ou só aparece quando solicitada para reforçar alguma idéia ou ajudar na leitura do que é narrado, ou seja , para dar luz a cena, é esse o caso. A trilha complementa a informação, comenta, estabelece emoções e climas. Marcas e gestual interpretativo são esclarecedores, significativos, objetivos e econômicos. Enfim, os elementos que compõem a cena estão em perfeito equilíbrio, cumprindo sua função teatral com uma unidade impressionante, todos direcionados e refletindo apenas uma idéia. O teatro poucas vezes consegue estabelecer um dialogo tão profundo e conseqüente com a platéia e com o próprio teatro.

A Dramaturgia flui como a vida, com uma simplicidade somente aparente, mas que imagino, ser de um grau de dificuldade razoável para atores não preparados, não exercitados para as propostas do grupo e objetivos pretendidos. O texto ganha um novo sentido, exige que o ator se reestruture para o exercício dramático e a historia que está sendo contada tem sempre prioridade absoluta. O diretor tem a rara capacidade de se apropriar das diversas teorias, escolas e práticas teatrais e de usá-las ao seu interesse e em função do que pretende. Faz do teatro um acontecimento especifico, os elementos se completam, são indissociáveis, vinculados, dão eternidade ao teatro, torna a cena um clássico moderno.


A Cia Autônomo pratica um teatro inteligente, pena que a cena carioca, muitas vezes voltada para o fácil e o vazio do mercado, não valorize a altura essa forte e valorosa contribuição para o teatro brasileiro. É uma pena o fato de que, quase não temos mais críticos e analistas teóricos, que contextualizem e esmiúcem seu processo de trabalho. Aplausos para esses Atores, Diretores, Técnicos e Produtores. Inteligentes, visionários ou não, que com dificuldades ou não, insistem e entendem a importância desse trabalho.


“O que vem depois? O que resta das ações humanas?... Somente a memória ou exclusivamente o silêncio?”. * Esperemos que não.













*- texto do grupo
Site da Cia. – www.ciateatroautonomo.com.br

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