quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Entre a República e a Democracia

Sem instituições sólidas e respeitadas, a política de inclusão social e econômica não bastará ao Brasil

José Murilo de Carvalho - O Estado de S.Paulo

Passada a moda da cidadania, veio a da república. Como no primeiro caso, não se sabe bem o que se quer dizer com a segunda palavra. Mas a nova moda sugere um pequeno exercício de interpretação da vida política do País mediante um contraste entre república e democracia.

República é forma de governo, mas também valores e um modo de governar, que é o que me interessa aqui. O coração da república está na própria palavra, coisa pública. Desde sua criação pelos romanos, ela significa igualdade civil e governo voltado para o interesse coletivo. Montesquieu a caracterizou como governo de cidadãos virtuosos. Entre nós, frei Caneca foi quem melhor a formulou.

A democracia, por seu lado, desde as origens gregas, sempre teve a ver com o governo da massa. Esse governo não precisa coincidir com bom governo. Daí que república não é o mesmo que democracia. Havia escravos nas repúblicas romana, norte-americana e latino-americanas. A democracia, na verdade, foi vista até a metade do século 19 como fator de corrupção da república.

Quando a democracia foi domesticada pela representação, tornou-se compatível com a república. Esta passou, então, a poder ser democratizada, seja politicamente pela extensão da participação a todos os cidadãos, seja, mais tarde, socialmente, pela inclusão social de todos. Juntar bom governo e inclusão política e social passou a ser um ideal dos países ocidentais. Cada país perseguiu à sua maneira esse objetivo.

A República proclamada em 1889 no Brasil estava longe de ser democrática. Ela sobreviveu 41 anos sem povo e sem preocupação social. Como avanço democrático trouxe só a extinção do voto censitário, mantendo a exclusão dos analfabetos, que eram 85% da população. Até 1930, a participação eleitoral nas eleições presidenciais não passou de 5% da população. Era uma República patrícia e oligárquica, em que não havia lugar para povo, em que o bem comum era o bem de poucos, embora não faltasse honestidade aos governantes. Ouviram-se logo vozes dizendo que aquela não era a República dos sonhos dos propagandistas. Em nossos termos, dizia-se que era preciso democratizar a República.

Em 1930, houve uma ruptura na República. Além de um violento processo de urbanização, que fez do Brasil, em 50 anos, um país urbano, teve início a democratização política da República com a entrada em cena do povo. A Constituição de 1946 tornou o alistamento e o voto obrigatórios para todos. A participação eleitoral de 5% da população subiu para 70% ao final do século. Os 2,6 milhões de eleitores de 1934 viraram 130 milhões em 2009, dos quais 40 milhões começaram a votar durante a ditadura. A democratização da participação escancarou também o acesso ao fechado clube da elite política. Zé da Silva começou a votar e a ser votado.

Começou também a democratização social da República. O Estado Novo promulgou a CLT e ampliou a legislação social. A ditadura militar ampliou a Previdência. Nos últimos 15 anos, sob a democracia política, a inclusão ampliou-se no campo da educação fundamental e da assistência às camadas mais pobres da população.

Diante de tantos avanços, poder-se-ia concluir que já temos uma República democrática, um bom governo numa sociedade igual e includente.

A conclusão seria precipitada. Passo por cima dos problemas referentes à inclusão social, que têm a ver com a manutenção da desigualdade, a má qualidade da educação fundamental e o restrito alcance do ensino médio. No que tange à prática política, a entrada rápida e massiva do povo no sistema eleitoral foi feita em boa parte durante a ditadura. Mais ainda, o grande déficit educacional e os altos níveis de pobreza ainda prendem a maior parte dos eleitores dentro do círculo de ferro da pobreza. O grau de informação e de liberdade de escolha desse eleitorado é reduzido e ele fica vulnerável a apelos populistas, paternalistas, clientelistas. Seu voto é racional, mas obrigatoriamente preso às necessidades imediatas.

Nossas instituições políticas, sobretudo as representativas, não contam com o respeito dos cidadãos. O fato de o problema não ser só nosso não significa que não constitua uma fraqueza da República. Destaco apenas dois pontos. O primeiro consiste no fato de que nossos políticos, muitos deles formados durante a ditadura, exibem reiterado desrespeito ao cargo e aos dinheiros públicos. Não por acaso, as pesquisas de opinião os colocam sempre nas posições mais baixas (20%) da escala de confiabilidade.

O segundo tem a ver com a relação entre Legislativo e Executivo. Nossa República escolheu ser presidencial. Desde o início, implantou-se um presidencialismo imperial que se sobrepõe ao Legislativo e, no limite, o reduz a mero intermediário entre eleitor e governo. A principal dificuldade dos presidentes consiste em formar maiorias parlamentares. Eles a resolvem negociando favores e benesses.

A igualdade de todos perante a lei, requisito republicano, é ainda letra morta da Constituição. Nosso Judiciário é lento e ineficiente, tornando a lei um instrumento desigual de proteção e punição. Qual é o mensaleiro que foi condenado em última instância? Nossas polícias estão longe de padrões aceitáveis de eficiência e correção funcional, para dizer o mínimo.

Desde 1988 várias propostas de reforma já foram feitas para corrigir as falhas do sistema, sobretudo no campo eleitoral e partidário. Ironicamente, o momento positivo que vivemos tem bloqueado o debate das reformas. O que vemos é um presidente popular, um Executivo hegemônico, um Congresso desmoralizado, partidos que abandonaram programas em troca de um pragmatismo radical voltado para cálculos eleitorais. Tudo isso pode ser democrático, mas não é republicano. A democracia avançou mais rápido do que a República. Pode-se argumentar que essa é nossa originalidade, construir uma democracia sem República. A preocupação com o bom governo, eficiente, transparente e virtuoso, seria, nessa perspectiva, moralismo udenista. Nosso método original de inclusão seria o iberismo estatocêntrico e patrimonialista.

Parece-me, no entanto, que valores e práticas republicanas são essenciais para a consolidação da democracia. Não se trata de udenismo. Trata-se de civismo, de valorização do interesse coletivo e do bom governo, sem os quais não se garante a eficácia e a respeitabilidade das instituições. Sem instituições sólidas e respeitadas, nossa República ibérica permanecerá vulnerável aos ventos das crises econômicas e políticas. Valores e práticas republicanos não são apenas meio, mas também fim.

Acoplar República e democracia é particularmente importante no momento em que o País retoma o velho sonho de grande império. Para realizar esse sonho é preciso respeitabilidade externa, que não se consegue apenas com crescimento econômico e inclusão social. São necessárias também instituições políticas sólidas e padrões internacionais de moralidade pública.

A República precisa da democracia para se legitimar, a democracia precisa da República para se consolidar. O equilíbrio entre as duas está no coração de nosso problema político hoje.

José Murilo de Carvalho, Historiador, membro da Academia Brasileira de Letras e
autor de A Construção da Ordem / Teatro de Sombras (Civilização Brasileira)
ESTADÃO domingo, 27 de dezembro de 2009, 00:10
(Indicação do Prof. Guilherme Neves)

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Almoço dos “4 Portas” na Spaghetilandia

Herbert, Denis, ST. Machado, Monte e Chico
(click na foto para ampliar)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

100 melhores filmes da década segundo o jornal inglês The Times

1. Caché (Michael Haneke, 2005)
2. A Supremacia Bourne/O Ultimato Bourne (Paul Greengrass, 2004, 2007)
3 Onde os Fracos Não Têm Vez (Joel Coen, Ethan Coen, 2007)
4 O Homem-Urso (Werner Herzog, 2005)
5 Team America: Detonando o Mundo (Trey Parker, 2004)
6 Quem Quer Ser um Milionário? (Danny Boyle, 2008)
7 O Último Rei da Escócia (Kevin Macdonald, 2006)
8 Cassino Royale (Martin Campbell, 2006)
9 A Rainha (Stephen Frears, 2006)
10 Hunger (Steve McQueen, 2008)
11 Borat (Larry Charles, 2006)
12 A Vida dos Outros (Florian Henckel von Donnersmarck, 2006)
13 This Is England (Shane Meadows, 2007)
14 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (Cristian Mungiu, 2007)
15 A Queda (Oliver Hirschbiegel, 2004)
16 Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Michel Gondry, 2004)
17 O Segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005)
18 Deixe Ela Entrar (Tomas Alfredson, 2008)
19 Vôo United 93 (Paul Greengrass, 2006)
20 Donnie Darko (Richard Kelly, 2001)
21 Boa Noite, e Boa Sorte (George Clooney, 2005)
22 Longe do Paraíso (Todd Haynes, 2002)
23 O Equilibrista (James Marsh, 2008)
24 Extermínio (Danny Boyle, 2002)
25 Dançando no Escuro (Lars Von Trier, 2000)
26 Minority Report (Steven Spielberg, 2002)
27 Sideways - Entre Umas e Outras (Alexander Payne, 2004)
28 O Escafandro e a Borboleta (Julian Schnabel, 2007)
29 Quero ser John Malkovich (Spike Jonze, 2000)
30 Irreversível (Gaspar Noé, 2002)
31 Iraq in Fragments (James Longley, 2006)
32 Gladiador (Ridley Scott, 2000)
33 Um Casamento à Indiana (Mira Nair, 2002)
34 Procurando Nemo (Andrew Stanton/Lee Unkrich, 2003)
35 E Sua Mãe Também (Alfonso Cuarón, 2002)
36 Na Captura dos Friedmans (Andrew Jarecki, 2004)
37 Amor à Flor da Pele (Wong Kar Wai, 2000)
38 Cidade dos Sonhos (David Lynch, 2001)
39 Encontros e Desencontros (Sofia Coppola, 2003)
40 Syriana (Stephen Gaghan, 2005)
41 Filhos da Esperança (Alfonso Cuarón, 2006)
42 Os Incríveis (Brad Bird, 2004)
43 Batman - O Cavaleiro das Trevas (Christopher Nolan, 2008)
44 Sob a Areia (François Ozon, 2000)
45 Touching the Void (Kevin Macdonald, 2003)
46 Traffic (Steven Soderbergh, 2000)
47 My Summer of Love (Pawel Pawlikowski, 2004)
48 Pequena Miss Sunshine (Jonathan Dayton/Valerie Faris, 2006)
49 Ligeiramente Grávidos (Judd Apatow, 2007)
50 O Senhor dos Anéis: O retorno do Rei (Peter Jackson, 2003)
51 O Quarto do Filho (Nanni Moretti, 2001)
52 O Jardineiro Fiel (Fernando Meirelles, 2005)
53 Milk (Gus Van Sant, 2008)
54 Papai Noel às Avessas (Terry Zwigoff, 2003)
55 Chopper (Andrew Dominik, 2000)
56 Volver (Pedro Almodovar, 2006)
57 The Consequences of Love (Paolo Sorrentino, 2004)
58 Shaun of the Dead (Edgar Wright, 2004)
59 Ser e Ter (Nicolas Philibert, 2002)
60 A Lula e a Baleia (Noah Baumbach, 2005)
61 A Viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki, 2001)
62 O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy (Adam McKay, 2004)
63 Sangue Negro (Paul Thomas Anderson, 2007)
64 A Criança (Jean-Pierre Dardenne/Luc Dardenne, 2005)
65 Valsa Com Bashir (Ari Folman, 2008)
66 Cidade de Deus (Fernando Meirelles, Katia Lund, 2002)
67 Gomorra (Matteo Garrone, 2008)
68 Memento (Christopher Nolan, 2000)
69 Persépolis (Vincent Paronnaud, Marjane Satrapi, 2007)
70 Entre os Muros da Escola (Laurent Cantet, 2008)
71 Monstros S/A (Pete Docter/David Silverman/lee Unkrich, 2001)
72 Guerra ao Terror (Kathryn Bigelow, 2008)
73 De Tanto Bater, Meu Coração Parou (Jacques Audiard, 2005)
74 O Labirinto do Fauno (Guillermo Del Toro, 2006)
75 Fale com Ela (Pedro Almodóvar, 2002)
76 Control (Anton Corbijn, 2007)
77 Tiros em Columbine (Michael Moore, 2002)
78 About Schmidt (Alexander Payne, 2002)
79 Le Grand Voyage (Ismael Ferroukhi, 2004)
80 Eu, Você e Todos Nós (Miranda July, 2005)
81 In The Loop (Armando Iannucci, 2009)
82 Yi Yi: A One and a Two (Edward Yang, 2000)
83 Ventos da Liberdade (Ken Loach, 2006)
84 Hotel Ruanda (Terry George, 2004)
85 A Professora de Piano (Michael Haneke, 2001)
86 O Orfanato (Juan Antonio Bayona, 2007)
87 Time and Winds (Reha Erdem, 2006)
88 Os Excêntricos Tenenbaums (Wes Anderson, 2001)
89 Escola de Rock (Richard Linklater, 2003)
90 Penetras Bons de Bico (David Dobkin, 2005)
91 Lantana (Ray Lawrence, 2001)
92 Estranhos de Passagem (Stephen Frears, 2002)
93 O Clã das Adagas Voadoras (Zhang Yimou, 2004)
94 Uma Verdade Inconveniente (Davis Guggenheim, 2006)
95 Amores Brutos (Alejandro González Iñárritu, 2000)
96 Morvern Callar (Lynne Ramsay, 2002)
97 Sympathy for Lady Vengeance (Park Chan-Wook, 2005)
98 Crash (Paul Haggis, 2004)
99 Battle Royale (Kinji Fukasaku, 2000)
100 O Diabo Veste Prada (David Frankel, 2006)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

MÚSICA - mais da TAL

Conforme prometido no post abaixo, aqui vai o primeiro álbum de Tal Wilkenfeld, "Transformation", gravado em maio de 2006, onde ela compôs, arranjou, produziu e tocou baixo acompanhada nas sete faixas por Wayne Krantz na guitarra, Keith Carlock na bateria, Geoffrey Keezer no piano e Seamus Blake no sax tenor.


É jazz fusion da melhor qualidade e que impresiona com a precocidade e o talenta musical da menina.


sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Essa menina é a TAL - TAL WILKENFELD


Apresentada por um baixista amigo, Morg, numa noite de tempestade e vinho, surtei. A menina manda MUITO.

"Tal Wilkenfeld iniciou aos 14 anos tocando guitarra e aos 17 trocou pelo baixo já estudando em New York. Aos 21 fez uma excursão com o gigante do jazz Chick Corea. Um mês depois acompanhou Jeff Beck em seu giro pela Europa, culminando com sua aparição no festival Crossroads."
Confiram a excelência da menina no festival Crossroads junto com Jeff Beck:



Tocando nada menos que STEVIE WONDER, "Cause We've Ended as Lovers "



Esta foi escolhida em homenagem ao Chico e seu Godot.
Em breve vamos escutar tudo que ela tem a nos oferecer aqui ao lado.

sábado, 31 de outubro de 2009

Igrejas

+ Igrejas

Mais estradas e mais cliques de Igrejas. Desta vez são todas do Estado do Rio de Janeiro. Andamos vistoriando as estradas em tempo de chuva.



Arraial do Cabo

Essa Igreja é de 1503. Vamos adiante, quer dizer, vamos voltando. Não sei se vinha ou ia.






Campo Coelho

Não sabia da existência desse lugarejo simpático.





Cascata

Essa eu lembro. Fica numa estrada linda chamada Serramar. A caminho de Sana.








Lumiar

Isso aí, foi antes.






Miguel Pereira

Já isso, foi na outra semana. Coisa curiosa... Na última postagem das Igrejas falei que queria desapropoiar algumas para servir à Cultura. Aí está. Não sei como, mas essa virou Teatro. Juro.




Paty do Alferes

Na mesma semana, estradinha bonita também, entre M. Pereira e Paty.


Sana

Finalmente em Sana, retrocede uma semana, continua a mesma maresia por lá.





São João da Barra

Linda essa Igreja. Casimiro de Abreu está enterrado no cemitério atrás dela. Agora não sei mais em que semana estamos.



São Pedro da Serra
Essa é fácil, do lado de Lumiar.



Saquarema

Muito bonito o lugar. Essa também é fácil, estamos voltando.



Teresópolis

Ih! Agora estamos indo.






Vassouras

Deixa pra lá. Desisto.



Rio de Janeiro

Opa, voltamos. Estamos no Largo do Machado, perto de Casa. Ufa! Valeu a viagem.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Artes Plásticas

Auto-Retrato

Outros



Leonardo da Vince

Privilegiar sua própria imagem? Privilegiar sua própria alma? O que leva um artista a realizar o seu auto-retrato? Várias são as teorias. Várias também são as formas e os estilos. Encanto-me com eles, os artistas e os auto-retratos. Não que eu tenha conseguido uma resposta satisfatória para minha pergunta.
O auto-retrato é uma conversa do artista com ele mesmo. Mas, o que o artista quer de fato nos mostrar? Ora, uma conversa com a gente mesmo é uma coisa complicada, depende de muitas variantes e variáveis, quando então, se coloca que essa conversa interior, vai ser objeto de analise e de apreciação pelo outro, aí a coisa complica mesmo. Eu não me arriscaria, nem a uma conversa muito franca nem a ser mentiroso.
Acho que independente da forma, do estilo, da época, das texturas, cores, etc., um bom historiador ou especialista sempre verá que o artista mostra mais do que pretendeu ao realizar a obra, e que às vezes, eles nos colocam frente a frente com nos mesmos.
Mesmo sem resposta, admiro e me envolvo. Os teóricos escrevem coisas lindas sobre os motivos dos artistas, algumas poéticas, outras de fundo psicológico, estudam a época, os meios, as modas, as aspirações, etc., e algumas de suas teorias até fazem sentido, mas, mesmo assim, não me convenço de todo. Fico procurando talvez, um motivo comum a todos os artistas ou a um grupo de artistas e acho que não existe.
Talvez porque não exista um ser humano igual ao outro, não vai haver um auto-retrato igual ao outro. Sendo assim, através das épocas e das suas urgências, cada caso é um caso e independente dos seus estilos, cada um dos artistas teve e tem o seu próprio motivo. Motivos confessáveis ou não, simples ou complicados, não importa, com certeza são enriquecedores, inspirados e fundamentalmente humanos.







Uma coisa é certa, o ser humano sempre teve prazer em se retratar. No Renascimento, com o homem se tendo como (e se achando) “o centro do universo”, os artistas se serviram do auto-retrato para deixar sua imagem para posteridade, sempre deixando um rastro dos seus estados d’alma.

Mas já no Antigo Egito, Ni-Ankh-Ptah, fez questão de deixar registrada sua fisionomia em um monumento que construiu. O Grego Fídias, na Grécia Clássica se imortalizou numa das esculturas do Partenon.






“O auto-retrato se tornara uma questão de orgulho para os mestres de ateliê durante o sec. XV. Suas fisionomias eram dissimuladamente inseridas na orla de uma multidão pintada ou esculpidas. No auto-retrato, o artista reflete sua imagem externa, assim como estados emocionais, contextos sócio históricos, que circunscrevem a obra, além dos questionamentos sobre maneiras de se ver e de se lidar com arte”.




Peter Paul Rubens





















”A “Ressurreição”, obra de por Piero della Francesca em 1490, pintada para prefeitura de Borgo San Sepolcro, sua terra natal. Na sua visão contemplativa, fatos observáveis são naturalmente simbólicos. Essa imagem suprema traduz a transição do dia para noite, do adormecer para o despertar, do inverno para primavera (a esquerda da pintura os ramos parecem mortos, os da direita pulsam com vida), da morte para vida. O guarda que inclina a cabeça para trás contra o tumulo pode ser um auto-retrato, o que faria dessa pintura um sonho (um desejo) de Piero”.














“Em 1656, Velasquez pintou “as meninas”, não se sabe a quem retratou ou quem era o centro das atenções: Os reis de Espanha, suspeitados em um espelho ao fundo? A Infanta real, no centro? A si próprio, no canto esquerdo? Ou o observador ao fundo? Opção pelo ambíguo, um discurso indireto, da retratação ausente. Esse também é um distintivo da arte moderna e contemporânea”.











Do outro lado do mundo, o auto-retrato também era uma pratica comum. Veja o Coreano Yun-Du-So em 1710, membro da nobreza rural que se dedicava a promover a ciência e a inquirição intelectual. Além de pintar e compunha poemas e musica.







Auto-retrato de Shitao (ou Daoji) 1700, ele praticava um monasticismo budista e explorava a antiga tradição taoísta. No auto-retrato, se coloca como um solitário no cimo da montanha (esse motivo tinha pelo menos uns dois mil anos de historia). Nas curvas e borrões que compõem a montanha, repousa o principio cósmico duradouro ou a força vital. Está em contraposição ao de You-Du-So, que tem uma forte influencia do comércio entre oriente e ocidente. O escrutínio interior simbolizado por Dürer fora retomado por um polígrafo aristocrático envolvido num movimento de reforma que vinha modernizando a variante coreana do confucionismo num diálogo com textos ocidentais. A Coréia, nessa época, havia algum tempo, não era importunada por seus vizinhos dominadores, a China e o Japão”.






































Philip Guston

Philip Guston, pintor abstrato de Nova York em 1969. A sua imagem ironiza o auto-retrato filosófico de um velho mestre – Velasquez, “as meninas” – A tela se chama “o estúdio” e o pintor se veste em um traje sinistro e ridículo da Ku Klux Klan. A tradição como um todo se tornara absurda, cúmplice do mal político.- que tipo de homem sou eu, sentando-me em casa, lendo revistas, nutrindo uma fúria frustrada por causa de tudo – e então indo ao meu estúdio para ajustar um vermelho a um azul - ”

Pensando bem, as pessoas sempre deram um jeito de aparecer ou se expressar. Nós, artistas de hoje (nem todos são assim e nem todos são artistas), com os meios que dispomos para nos expor, fazemos tudo isso e mais alguma coisa, podemos dizer até que, comparados com a gente, eles são muito discretos.
De qualquer forma e independente do que se diga a respeito do auto-retrato, ele continua encantando, levantando questões e me deixando curioso. Agradeço e fico com Rembrandt quando ele diz:

“Quererão saber que espécie de pessoa eu fui”.

Os textos em verde foram retirados ou inspirados na obra “UMA NOVA HISTORIA DA ARTE” de Julian Bell.