quarta-feira, 18 de junho de 2008

Comentário sobre "La Disparition", de André Kertész



A primeira idéia que me veio à mente foi sobre o mistério: "o que aconteceu com a pessoa?". O "eu" fotógrafo precisava saber sobre a ilusão. Pensei que fosse algum efeito de laboratório, ou alguma montagem, "talvez uma técnica nova", mas não tinha nada de novo, pelo contrário, a foto era de 1955. Mas esta fase durou algum tempo, talvez por não conseguir uma resposta satisfatória para minhas dúvidas.

Passada a fase de curiosidade técnica, hoje começo realmente a ver a foto. Digo até delirar com a imagem. Tentando associar palavras. Percebi que a técnica tinha uma importância muito pequena. Parece-me agora mais uma questão de agilidade, tanto com o uso do equipamento quanto percepção.

Surge então uma segunda idéia: conflito. Vejo na foto muitos antagonismos. A estrutura rígida no primeiro plano contra uma paisagem suave ao fundo. A figura humana que sobe a escada contra a solidez estática da estrutura construída. Rígido contra suave, movimento contra estático.

A figura humana é a única coisa que se move. Movimento este que leva a transformação. Ao desaparecer surge em seu lugar uma forma geométrica, um retângulo branco. Parece que o humano está se transformando numa forma rígida. E o rígido negro dá muita força a foto, mas observando com cuidado, percebo que os espaços "vazios", brancos, também são rígidos, são formas bem marcadas. A foto está firmemente presa nas formas geométricas.

Kertész dividiu a realidade em retângulos, criou um grafismo muito bem equilibrado, controlando todos os espaços. Realmente não sei se a composição original foi feita na câmara ao fotografar. Nem o nível de consciência do fotógrafo ao fazê-la, mas no que vejo parece-me que esta foto é uma criação muito racional, planejada. Me pergunto quanto tempo ele teve para criá-la.

La Disparition e algumas fotos da série de nus Disforsion, foram das primeiras fotos que vi de André Kertész. Elas me provocaram uma necessidade de ver e saber mais sobre ele. E esta foto, em especial, me mostrou uma nova possibilidade de fotografar, uma releitura da realidade, a possibilidade de superar a limitação do real usando apenas como recurso a seleção. Desde então comecei a olhar com mais cuidado os ditos fotógrafos clássicos, como Bresson, Lartique, Weston e outros. Henri Cartier-Bresson, mais do que outros, mostrava-se radical em seu fazer, apenas aceitando o que era captado por sua Leica nada mais, nada menos. Selecionando o momento que tudo diria, que chamou de "instante decisivo". Assim comecei a criar sem interferir. E Kertész com sua imagem limpa, construída com poucos elementos, preocupado com formas e espaços, provocou algumas mudanças no meu fotografar, mas principalmente no meu ver.

Herbert M. Macário
1993

Um comentário:

Denis Leão disse...

Beleza de análise. Aguardo outras.

Abraço