quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Rápido Dicionario de Teatro












Sobre Shakespeare já se escreveu tudo, ou quase tudo. Pode-se encher uma biblioteca só de palavras escritas sobre ele.
Levantou-se todas as questões, desde sua preferência sexual, convicções religiosas, passando pelo questionamento das suas obras serem verdadeiramente suas e até, se de fato ele existiu ou não.
Não pretendo discutir isso, se ele não existiu, parabéns pra quem o inventou. É como se diz por aí - se ele não existisse, seria preciso inventá-lo - Assim... Como Deus.
Sei que a criatura é e foi muito popular. Hoje nós o temos como um clássico, na sua época não se pensava nisso, Shakespeare escrevia sobre o que o público queria ver e ouvir ou esperava dele.
Hoje conhecemos pelo nome os nossos políticos, jogadores de futebol, heróis e vilões. Shakespeare escrevia sobre os do seu tempo e o publico participava, torcia, amava ou odiava seus personagens.
Uma média de 800 pessoas por espetáculo, de todas as classes, sentados ou em pé, com ambulantes oferecendo seus produtos, de vez em quando uma briga, era uma festa.











Casa de Shakespeare em Statford-Upon-Avon

William Shakespeare nasceu em
Stratford-Upon-Avon em 23 de Abril de 1564 e morreu na mesma cidade em 23 de Abril de 1616.
Na época de Shakespeare a política não era aceita como atividade independente, havia uma permanente ligação entre os aspectos políticos, morais e religiosos. Era um tempo onde e quando se corporizava a ética, estética e política elisabetana. Shakespeare foi um autor espelho dessa época, só que via além dos fatos em si, dos personagens envolvidos, percebia as relações e os fatos através de um sentimento humano capaz de identificação fácil e rápida pela platéia.
Todas as noções de mundo na época, se referiam ao grande principio explicativo (vindo da idade média e ainda reinante no Sec. XVI) sobre a ordem geral do universo, o encadeamento total dos seres e das coisas, desde o átomo até Deus, a noção de que um bom governo apoiava e o mal perturbava a ordem da coisas. A religião servia ao governo, Shakespeare entendia e concordava com isso. Era elisabetano, e a favor de que as classes inferiores deveriam ser orientadas. Não concordava com o mau governo.



Elizabeth I, a rainha virgem


Elizabeth I tinha um cérebro bem dotado, para alguns era considerada ilegítima para sucessão, sustentava a teoria do poder divino dos reis e de que o poder devia ser exercido com mãos de ferro, distinguiu-se pela crueldade com que reinou na Inglaterra, mas o fato é que fez um excelente governo: expansionista, comercial e guerreiro, exerceu um protestantismo moderado, tinha ojeriza ao fanatismo religioso, usava a religião para governar bem, não poupou adversários nem amigos íntimos .
As Homilias religiosas que foram mandadas elaborar a partir de Henrique VIII, seu pai, explicavam as excelências da ordem e o cunho inviolável do soberano, eram insistentemente repetidas no reinado da filha e pregavam que os súditos não poderiam retirar sua lealdade à coroa sob qualquer pretexto, era contra a lei que súditos tirassem suas espadas contra seu soberano, pois Deus não fez dos súditos seus juízes. Não, ele fez com que o magistrado supremo não tivesse de prestar contas ao povo e reservou aos reis para seu próprio (de Deus) tribunal. Tudo que os súditos poderiam fazer, no caso de um mau governo, seria rezar a Ele para que mudasse o coração do seu príncipe, os súditos que fossem desobedientes ou rebeldes contra seus príncipes, desobedeceriam também a Deus e trabalhariam para sua própria danação. Shakespeare usou todo esse rico conteúdo de
idéias em suas peças, históricas ou não, quando lhe convinha ou convinha ao momento.

Os dramaturgos elisabetanos mais conhecidos e famosos antes e no tempo de Shakespeare eram: Christopher Marlowe (1564-1593) e Ben Jonson (1572-1637). O primeiro tinha uma boa formação, chegou a fazer universidade, foi poeta, tradutor e dramaturgo e é considerado um renovador da forma no teatro elisabetano com a introdução dos versos brancos, estrutura que será amplamente empregada depois por Shakespeare. Ben Jonson, embora sem curso universitário, alem de dramaturgo foi um expoente da lingüística, por sua atenção a fonética e a classificação dos verbos, se tornou um dos homens de maior cultura de seu tempo, chegando a merecer graus honorários das Universidades de Oxford e Cambridge.



Christopher Marlowe




desenho em corte de um antigo teatro elisabetano, sem a cobertura do palco



Reconstituição atual do Globe Theatre em Londres

Os teatros eram construídos em bairros marginais que eram focos de peste e que acomodavam também bordeis e tavernas, eram constantemente fechados pelos puritanos por questões morais ou por motivos de peste. Suas estruturas eram redondas ou hexagonais, platéias amplas, pátios desprovidos de telhado e cercados pôr duas ou três galerias reservadas para cavalheiros e damas, na última galeria as prostitutas que negociavam por ali mesmo.
Os espetáculos eram à tarde e não havia iluminação artificial, não havia cadeiras na platéia, lugar utilizado pela plebe, que comumente dava sinais de impaciência quando o espetáculo não tinha a devida espetaculosidade, belos figurinos, peripécias, arruaças ou ações fulminantes.
O palco era uma plataforma salientada sobre a platéia, aonde o público chegava a se sentar, era coberto e no fundo, um pequeno palco italiano para cenas de interior que às vezes tinha cortina. O telhado do palco era alto e em cima do palco menor um segundo andar com janelas que serviam de cenário. Serviu lindamente a dramaturgia de Shakespeare, pois era próprio para mudanças de local da ação.
O Palco era neutro, sem cenários, usavam-se cartazes para identificar locais. Adereços como tapeçarias, panos pintados em molduras de madeira que apresentavam casas com portas que abriam de verdade, cenas pastorais e tronos, pequenos móveis que compunham cenário interior. Os atores eram eficazes e tinham maneirismos declamatórios, eles não recebiam o texto completo, apenas as suas partes e a deixa. As mulheres eram proibidas de representar, havia certa dificuldade em compor papeis femininos, esta seria a razão do numero de papeis femininos serem reduzidos e do fato de que muitos personagens femininos, no enredo, se passarem por homens para, na trama, se proteger ou enganar alguém. Não havia mudanças de cenários para ação não ser interrompida. Era comum serem usados signos como um trono para salão real, um pequeno arbusto para floresta, lapide para cemitério, cruz para uma igreja. Andar de lado para outro significava mudança de local. Detalhes do vestuário e adereços como coroas, mantos, espadas também tinham sua significação e havia muitas, muitas cabeças decepadas. O resto era deixado a cargo do texto. Os figurinos eram atuais em vez dos da época da ação. A ação era variada, com passagens de tempo, o enredo era longo e cobria um grande período. Usavam narradores e o texto normalmente informava local e condições da ação, imagens visuais, climas e estados da alma.
O Teatro era importante e fazia parte da vida das pessoas, era quase a única opção de diversão, alem de jogos, bebidas e lutas. Uma bandeira era hasteada em um mastro na torre do teatro, era a deixa para informar que haveria espetáculo e que a função iria começar.
É um fato curioso o que deu a origem ao estilo de Teatro que se convencionou chamar de elisabetano, estilo este que possuiu um espaço físico único, convenções de dramaturgia e de encenação próprias.





A época de Shakespeare coincide com a renascença na Itália, para a Itália o fenômeno sem duvida foi o de um renascer da cultura clássica, que havia sido cortada pelas migrações étnicas que avançaram sobre o Império romano. Para os ingleses, como chamar de renascimento um fato que nunca existira. O que chegava do mundo clássico seja em forma pura ou italianizada, era pura e simples novidade, descoberta nova e desconhecida, isso talvez tenha sido a causa porque Shakespeare e outros dramaturgos elisabetanos não respeitarem convenções antigas. Os elisabetanos não se importaram com os temas clássicos e deram preferência a historia da Inglaterra, prestaram menos atenção às unidades de tempo, lugar e ação, inseriram temas referentes ao bom e mau governo, a opinião civil e sucessão ao trono em versos brancos não rimados. Encenavam a ação em vez de narrá-las. O estilo era bombástico, havia um certo mau gosto, alguns horrores, um gosto pela emoção e a violência. Quando os eruditos tentaram importar para Inglaterra os modelos clássicos, sem ação, com trechos narrativos, não houve aceitação. Shakespeare em um plano indiscutivelmente mais alto construiu suas peças com a mesma indisciplina, se não pôr ignorância, certamente com total indiferença aos cânones clássicos.
A era elisabetana gerou um teatro comercial, com bastante concorrência, havia companhias estáveis com patronos lordes e nobres.
Shakespeare, diz-se, era pacato, não lhe agradava a turbulência de seus contemporâneos. Bem humorado, compreensivo e pacifico. Ben Jonson bateu-se em duelos, matou 2 ou 3 homens, Marlowe morreu em uma briga numa taverna pôr causa de uma conta . Foi uma época de ouro,
Shakespeare ficou rico, trabalhou por 20 anos em Londres, foi um empresário bem sucedido, tinha patronato, escrevia poesias e sonetos para os ricos. Era dono de um Teatro e tinha sua própria companhia, a companhia de teatro Lord Chamberlain's Men, mais tarde conhecida como King's Men. Aposentou-se ainda jovem e voltou para sua cidade onde morreu.





A obra de Shakespeare tem alguns fundamentos e características próprias que vão influenciar depois, milhares de autores teatrais mundo afora.
Vejamos o que falam os especialistas:

Ele consegue juntar o gosto popular com requintada poesia, sem ser vulgar. No palco tudo tem que ser maior que na vida real, nessa medida, os problemas podem ser jogados com mais clareza e conseguem ocupar toda imaginação do espectador, obrigando-o a uma participação intensa e a uma compreensão melhor do mundo que o cerca.
O poeta é aquele que por oficio exige o máximo de significado das palavras, não apenas no sentido direto oferecido pelos vocábulos, mais igualmente as sugestões, não na pureza isolada do dicionário, porem na mescla com o acontecimento, ditas no curso de um enredo, em determinado cenário, para determinadas pessoas, com esse ou aquele timbre afetivo.
Poesia vital, diz a maioria, poesia impura, criticavam alguns, mas poesia valida enquanto o homem for homem, interessar-se por seu destino e encontrar um rumo para sua aventura no tempo.


Vejam mais algumas opiniões colhidas por ai, que me fizeram entender e gostar mais ainda da sua obra:

A impureza na poesia em Shakespeare é um grande segredo... dá uma dramaticidade perturbadora, dá o interesse pela trama, traz emoção, emoção que aos poucos se transforma em emoção estética, ele desnuda a alma do personagem, exibindo sua trama intima...
Pode-se dizer que nada sobrevive das peças de Shakespeare exceto as palavras que ele põe na boca dos atores, não dá direções de palco, descrições de cena ou caráter, não dá prefácios explanatórios, Shakespeare nos prepara cena por cena, segue aos poucos pela sugestão para o que há de vir como as bruxas de Macbeth ou o espectro do pai de Hamlet.
Com o texto cria imagens e caracteres – “parece flor inocente” - diz Lady Macbeth a seu marido - “mas a serpente está embaixo dela”.
Os caracteres são feitos para nos servir, não só pelas coisas que dizem e fazem, mais pela imagem que criam – “raivoso Cassius tem um mesquinho e furioso olhar” - diz César enquanto conversa com Brutus, dito isso, seu retrato e personalidade crescem para nos. – “Marvolio doente de amor” – “Cesar que muito pouco conhecia de si mesmo”.
Shakespeare cria a atmosfera, não só e meramente a aparência do lugar ou à hora do dia, mas o sentimento, a impressão do que à hora e lugar pode fazer sobre os nossos espíritos – “o assassino está esperando Banquo e seu filho para matá-los, o oeste que ainda alumia com alguns raios do dia, agora estimula ao viajante retardatário a chegar depressa a oportuna hospedaria” – Nos que estamos fora de perigo desejamos estar seguros em casa.
Talvez seja por isso que a sua obra se adeque tão bem ao cinema.
No solilóquio, quando o personagem está só no palco ou fala a parte, coloca a descoberto as reflexões inespressas da alma do personagem, nuances que não dão para julgar apenas pelos diálogos. É o solilóquio que torna possível para nos seguir o esforço interior de Macbeth para resistir à ambição – “Ducan levanta-te, quisera que conseguisses”.
Faz-nos ver com os olhos da mente – na floresta que avança – na cena em que Hamlet investe contra Ofélia que esta costurando no quarto de camisola - na morte de Ducan – tudo que não vemos e é relatado pelos personagens.
Os personagens são impelidos à maturidade, isso implica na perda da inocência original e podem recuperar essa inocência através de uma sólida experiência, em quinze falas muda-se um reino, ou quando dois jovens em dez falas se apaixonam e a sorte de duas famílias será lançada.
Os personagens são mostrados como são e não o que o autor pensa deles, capta com agilidade a essência de sua época, pegava temas passados e projetava no presente, por isso era entendido.
Comumente usa de comentários de personagens independentes, que não estão envolvidos no conflito ou de outra classe social para dar credibilidade a situação, como em um grupo de cidadãos em Ricardo III, ou o coveiro de Hamlet, ou ainda o porteiro de Mabecth.
Os heróis de Shakespeare tem passado, possuem vida pública e privada e vida interior, não existem apenas em função do que vai acontecer, tem individualidade, vêem as coisas do próprio ponto de vista.
Os temas eram da vida cotidiana, dos episódios históricos (nada atraia mais que as peças históricas, usadas como monumental expressão do espírito nacional), das lendas, da política e da filosofia. Lançava mão de todos os assuntos. Não é naturalista nem ilusionista, só é possível representá-lo literalmente e cria sua própria convenção.
Shakespeare Inventa uma realidade diferente, os tempos mortos são eliminados (como no cinema). Constrói a ação condensando-a, é violento, cruel, brutal, terreno e infernal, inverossímil, dramático, sarcástico e apaixonado, divagante e razoável, faz interrogações filosóficas e é um grande realista. Parece não haver paixão nenhuma do coração humano que não se encontre nas obras de Shakespeare, são extratos de sentimento. Não amaldiçoa ninguém, não julga, não toma posição, mas mostra as conseqüências de todas as ações.
Shakespeare tinha uma mensagem, à vida é um compromisso. Acreditava que a bondade trazia recompensa e a maldade castigo, o homem deve viver em ordem, os países devem viver em ordem, um bom rei ou governo quando obedecido, traz a ordem, mas se o rei sofre de indecisão o resultado pode ser o caos.
Muito raramente cria situações de mero suspense e não se utiliza do elemento surpresa, quando os fatos acontecem já estamos mais ou menos sabendo ou preparados, mas nos impressionam como sendo a solução mais adequada, um sentido que não é captado pela consciência até a ação se completar.


Só mais tarde é que as obras de Shakespeare foram separadas em cenas e atos, segundo o lugar e a ação, apenas depois de se ter abandonado a convenção isabelina, antes disso, parecia dar a impressão que se passava de uma cena para outra sem explicação, como no cinema e os fatos históricos são usados livremente para construir estruturas dramáticas que exprimissem uma certa visão da sociedade
Shakespeare
consegue apreender as vivencias humanas dentro de um contexto social político contemporâneo. A obra se mantém significativa porque alem da caracterização psicológica fortíssima e fundamental, ela está inserida em estímulos e pressões sócio-políticas equivalentes as que atuam sobre nos dias de hoje, ele não mantinha estanques, separados em compartimentos, o sócio-político e o existencial, o fato político nunca é analisado em estado puro, de forma abstrata, será expresso por ações concretas que afetam todos os níveis da vida.

Seus mundos distantes e sonhados são reais porque habitados por imagens de homens, enquanto suas imagens do quotidiano são enriquecidas por mundos distantes e sonhados.

Há também algumas curiosidades a respeito de Shakespeare, e a partir de seus textos, parece ter ficado fácil para alguns estudiosos chegarem a algumas conclusões, precipitadas ou não...

É possível que Shakespeare nunca tenha visto o mar.
Nunca contemplou um campo de batalha.
Não conhecia geografia pois situava a Hungria a beira mar,
Proteu toma um
navio que o conduz de Verona a Milão
e o que é pior, ainda aguarda a maré,
para Shakespeare Florença é um porto marítimo.
Não conhecia historia, seu Ulisses em casa lê Aristóteles. Timão de Atenas se refere a
Sêneca e Galileu.
Não conhecia filosofia e nada sabia de arte militar.
Misturava costumes e épocas diversas, em Júlio César há um relógio que bate as horas, em Cleópatra, uma criada lhe aperta o espartilho e os canhões atiram com pólvora no tempo de João sem Terra, quando esta não havia sido descoberta.




Esse é o homem, William Shakespeare, e independente de todas
especulações, sim porque, a grande maioria dos escritos sobre
Shakespeare não passa de mera especulação, ele continua nos
envolvendo em sonho, poesia e beleza. É considerado o maior
dramaturgo da língua inglesa e o mais influente do mundo ocidental.
Suas obras consistem de 38 peças, 154 sonetos, dois longos poemas e
vários outros menores. Suas obras são montadas, atualizadas, e
adaptadas mais do que a de qualquer outro dramaturgo e continua viva
em nossos dias através do teatro, televisão, cinema e literatura.



William Shakespeare


Observação 01 – Os textos em negrito são de outros autores, não os identifiquei por preguiça, estavam em anotações antigas minhas sem a fonte. Perdão.
Observação 02 – Algumas informações são da Wikipédia.

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