segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

“Isso não é um cachimbo”

Traição das imagens, 1928-29

Quando o pintor belga René Magritte pintou seu revolucionário (para mim pelo menos...) “Isto não é um cachimbo”, ele levantou uma questão muito interessante entre a representação e o real. A pintura torna-se uma pintura e não uma coisa que atravessamos para ver outra coisa. A pintura representa algo, mas não é a coisa. A arte Moderna provoca o observador a pensar e sentir de forma diversa dos períodos anteriores. Provoca a participação do observador na obra. Você não precisa apreciar a técnica, mas necessariamente precisa pensar sobre o que vê. Magritte é um representante do novo conceito. Mostra que tudo é um jogo. Faz uma paródia com o ver, o pensar e com a própria pintura.

Voltando ao “Cara de Cão“, o jogo não se faz. Agride mas não levanta questões mais profundas, não vai além de um mal estar. Não é que não tenha uma proposta, mas ela não sobrevive ao impacto inicial. A reação de meu amigo Chico Expedito comprova minha tese.

Para quem não teve curiosidade de ver o site do Rodrigo Braga, a descrição do Chico é bem detalhada. A obra é uma elaborada manipulação digital que não permite ver uma “verdade”. Tudo bem que na fotografia a verdade não é tão verdadeira assim, mas ela sempre nos provoca uma crença que algo ali é verdadeiro. O artista quer criar a mentira perfeita, enganar o público e provocar um jogo...

“A idéia inicial era fazer uso da tecnologia de manipulação de imagem digital (que já havia lançado mão em uma série anterior) para produzir algo que estivesse dentro da minha poética e ao mesmo tempo contemplasse essa técnica em todo o seu potencial. Eu me incomodava com o fato dos recursos digitais estarem sendo associados à fotografia apenas como um incremento formal à imagem captada pela lente, ou mesmo apenas como uma exagerada sucessão de aplicações de efeitos que meramente reconstituem a tradição pictórica, e tudo aquilo que o lápis ou o pincel já fazem tão bem há séculos. Queria, portanto, algo que operasse pelo quase imperceptível. Que subvertesse o caráter indicial da fotografia e deixasse o espectador tonto, flutuando entre o virtual e o palpável. Tinha a vontade de gerar não o surrealismo típico de uma montagem fotográfica, mas sim, “fabricar” em ambiente gráfico digital uma “realidade” que, de qualquer forma, pudesse ter ocorrido em verdade, pela habilidade manual humana.” (Rodrigo Braga)

Mostrar como nossa realidade pode ser artificialmente construída é uma proposta pertinente, legítima. Somos enganados por nossos olhos que nos ligam de forma mais rápida ao real. Tanto na publicidade, quando cria nossas referências de bem viver; quanto no jornalismo, quando “apaga” coisas para não chocar (atentado na Espanha) ou muda a cor do coco do cavalo da corte para não “sujar” a imagem pura da rainha (desfile da Rainha Mãe na Inglaterra). Nesse sentido vejo uma certa semelhança com Magritte, mas de fato o que faltou foi a classe e o humor do belga. Rodrigo queria fugir do surrealismo e criou um pesadelo. A idéia é ótima na concepção, mas lhe faltou sutileza na escolha do tema. As questões pessoais que provocaram tal escolha, prefiro não questionar, mas acredito que prejudicaram o resultado final. Pois, segundo o texto de Rodrigo, sua intenção era provocar um jogo entre uma realidade construída e nossa crença no caráter indicial da fotografia, como prova do real. Mas essa discussão quase desaparece diante do choque provocado pelas imagens. Mesmo porque, metade do projeto foi bem verdadeiro. O cão morreu e foi fatiado! A proposta talvez ficasse mais interessante se o recorte do animal também fosse uma farsa e fizesse parte dessa realidade “fabricada”. Afinal, a intenção não era uma manipulação digital?
Prefiro ter cuidado com anedotas sobre artistas contemporâneos, mas bem que as “3 dicas” que o Sérgio apresentou cabem como uma luva neste caso.
(http://4portasnamesa.blogspot.com/2009/01/tres-dicas-rapidas-para-fazer-arte-sem.html)


E voltamos às velhas questões:
Qual o sentido da arte? Será que precisamos mesmo incomodar?
Quem é o artista? E por que ele faz arte?
Tudo bem que comparar Rodrigo Braga com René Magritte é um pouco forte, mas é uma ótima desculpa para apreciar as obras desse mestre:





Reprodução proibida, 1937




Carta branca, 1965









Afinidades Eletivas, 1933



Elogio a dialética, 1936


O Modelo Vermelho, 1937

6 comentários:

Chico Expedito disse...

Caro Herbert
Acho que suas observações em relação ao trabalho do Rodrigo Braga foram corretíssimas, mas acho que você, mesmo se desculpando, viajou homericamente na comparação com Magritte. Não há termo de comparação, pra mim são propostas e conceitos substancialmente diferentes.
Continuei sem entender muito à proposta do nosso artista, se entendi o que entendi, com sua ajuda, acho que ele fracassou bombasticamente. Fala o artista... Queria, portanto, algo que operasse pelo quase imperceptível. Que subvertesse o caráter indicial da fotografia e deixasse o espectador tonto, flutuando entre o virtual e o palpável... Vá ser imperceptível assim lá na Meruoca, na verdade é pouco virtual e muito palpável.
A propósito, quando você coloca: Fala o Herbert... A arte Moderna provoca o observador a pensar e sentir de forma diversa dos períodos anteriores. Provoca a participação do observador na obra. Você não precisa apreciar a técnica, mas necessariamente precisa pensar sobre o que vê. Magritte é um representante do novo conceito. Mostra que tudo é um jogo. Faz uma paródia com o ver, o pensar e com a própria pintura... Eu discordo. Não acho necessariamente que na arte clássica, o que se tem para apreciar é somente a técnica. Os clássicos fazem leituras pessoais do real também, que nos levam a pensar e nos emocionar. Às vezes é um jogo cheio de simbolismos que corroboram ou não, os signos e as crenças da época. Nesse sentido faz também uma paródia com o ver e o pensar. Nesse sentido não vejo diferença no observador de arte de hoje e de sempre.
Hoje, o que acontece, às vezes, com a arte dita contemporânea, é que o observador passeia por cima, pelo lado ou embaixo de uma obra, a toca, troca socos, pula na sua frente, fala com ela, faz careta para ela e quase sempre, ela é incompreensível (por isso mesmo, considerada boa) e mais, quase nunca pode levar para casa, nem quer. De novo falamos sobre a postagem do Sergio... Três dicas...
Invenção.

Herbert Macário disse...

Caro Chico,
Sim, sem dúvida as propostas são diferentes! A comparação que fiz foi no sentido da relação com o real. Magritte apontava para o real fora do quadro, enquanto Braga que criar uma desconfiança em relação ao que vê. O elo comum foi esta intenção de fazer o observador pensar sobre o que é real. Talvez eu tenha tentado salvar algo do trabalho e achei esse aspecto interessante... Não sei.
Será alguém viu essa mesma coisa oculta?... Ou foi viagem minha?

Bem... Tenho que concordar que o “fazer pensar” na arte clássica existia. Mas tenho a impressão que o objetivo passava mais pelo “ocultar” ou “falar para públicos específicos” do que ser uma provocação aberta ao observador em geral, como acontece nas vanguardas. Não me considero um especialista. Mas acredito firmemente que do mesmo modo que a arte muda de tempos em tempos, seu publico também muda.
Abraço

Chico Expedito disse...

É preciso muita boa vontade, mas entendi.
abraço

Chico Expedito disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Chico Expedito disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Durante muito tempo, a pintura tinha a função de imortalizar cenas e pessoas. Muitos dos "artistas", possivelmente a maioria deles, eram na verdade "pintores". Com a popularização da fotografia, em meados do século XIX, o "mercado" da pintura foi reduzido e aqueles que, de fato, faziam arte tiveram de buscar novas linguagens e de convencer o público de que a arte vai além da reprodução da realidade, daquilo que é efetivamente visto. Magritte é da geração que viu todo o progresso do início do século XX desmoronar com as atrocidades da Grande Guerra. O mundo havia se desconstruído e a arte deveria seguir essa tendência. Com os anos a fotografia também se firmou como arte. O fácil acesso a máquinas digitais (que hoje em dia vêm até acopladas aos celulares), dá a falsa impressão de que todos fazem arte. O "mercado" tornou-se inchado, e os "consumidores" pouco exigentes. Ainda acho que sou exigente, e penso que o Rodrigo exagerou...pobre do cachorro...