sexta-feira, 8 de agosto de 2008

reflexões

Pequena reflexão sobre arte. A partir de...



O pensador



Alguma coisa me incomoda nos Fractais. Talvez por que às vezes suas representações sejam apresentadas como arte. Não acho que sejam, possuem uma frieza que me leva a observá-las também friamente e analiticamente, não me emocionam em nada.



Tenho a impressão que o fato de pretenderem uma explicação científica acaba por tirar todo o prazer, o sentimento e a abstração que uma obra de arte provoca em um ser humano. Talvez seja pessoal, mais é o que sinto. Guardadas as devidas proporções, a relação Arte e Ciência deve ser como a relação Ciência e religião, brigam entre si. Talvez religião também seja uma obra de arte, uma invenção artística.



Escrevo sobre isso por causa da bela postagem do Herbert sobre a obra de M.C. Escher (ai embaixo e a dos fractais mais embaixo), onde ele coloca que elas são parecidas com os Fractais, talvez até os pais dos Fractais... Mas não sei não. O Trabalho de Escher sim, pra mim é arte, e embora eu não consiga avaliá-la tecnicamente nem tampouco estabelecê-la dentro das teorias de estilo e historia da arte (isso seria um prazer a mais), elas me emocionam e extasiam e aí me reconheço como ser humano ligado a outro ser humano de um século diferente e que jamais vou conhecer.



Tenho falado muito e vou continuar falando em função da arte e continuo insistindo em que ela deve ter uma função. As pessoas, às vezes não entendem que falo de qualquer função, não necessariamente uma função imediata, política, social, etc., pode ser, digamos, uma função puramente sensorial, humana... De identificação humana, de levar a mente e o sentimento por um caminho antes não visitado. A cabeça abre, a alma cresce e a conscientização e a racionalização vem depois. Se a obra tiver qualidade, ela te toca de alguma forma e de alguma maneira tem a ver com teu universo, só falta você descobrir o que é.



No meu trabalho como diretor de teatro sempre caminho nessa direção, primeiro vem o que se convencionou chamar de inspiração, depois dessa fase de criação mais ou menos desordenada, vem uma arrumação dos elementos colocados, uma racionalização em termos de leitura e convenção teatral para que ela seja percebida e aproveitada pelo público. Normalmente essa arrumação leva em conta os valores de uma época ou do momento ou ainda os dois. Não no sentido de consagrá-las, cristalizá-las ou respeitá-las a ponto de não ousar, mas de discuti-las e principalmente de tornar o caminho do entendimento mais claro.



Teatro e artes plásticas, acho, são diferentes para percepção humana. Enquanto nas artes plásticas, de uma tacada só, se observa aquele universo por inteiro. No teatro, as emoções e racionalizações são construídas a partir uma conjunção de elementos diferentes que envolvem literatura, interpretação, música e até artes plásticas, seqüenciados e com tempos diferentes e que só ao final dão a perspectiva do todo.

6 comentários:

Herbert Macário disse...

Caro Chico,
Você fala que a arte tem que ter uma função. Concordo! Tem que ter uma função. Na verdade, várias. E principalmente uma que chamaria transcendental. E acho que é disto do que fala. Mas será que esta já não é um pré-requisito para a definição de arte verdadeira? Uma característica inata da arte? O que diferencia o artista do picareta?

Acredito que todo artista genuíno encontra algo transformador em sua arte. Necessariamente! Tem que transformar nem que seja ele mesmo. E se o fizer de verdade, será que já não basta?
Herbert

Chico Expedito disse...

Caro Herbert,
Você percebeu a reflexão, é isso ai, só que...
Não acho que o artista tenha que se satisfazer somente transformando a si mesmo,isso é mais o caminho da psicoterapia ou de um trabalho pessoal voltado para assimilação e correção dos próprios erros.
A propósito, nós artistas, pelo menos, os que não tem um trabalho solitário e que lida com pessoas, tem que entender um pouco disso, mas só pra ajudar no desenvolvimento da sua obra, você sabe disso.
Acho, pra mim, que a psicoterapia e a arte só se entendem em casos especificos, quando ela é usada para fins de cura e as vezes funciona. A arte aí, é só um acessório, um caminho.
O artista, o bom artista, pra mim, tem responsabilidade sobre o meio que vive, deve ser bom o bastante para interferir. Só crescer, ele mesmo, é muito pouco.

ST.Machado disse...

Salve amigos.
Ando meio assoberbado com as agruras desta vida mas mantenho sempre uma conexão com vcs.
Certa vez assisti uma palestra de Fayga Ostrower, perto de um ano dela morrer, e ela dizia nesta palestra que não considerava Escher um artista, mas um matemático. Ela parecia perceber em seu trabalho algo desta frieza que o Chico vê nos fractais. Ela entendia as obras dele como o que hoje é chamado imagens de síntese, que são imagens produzidas por meio de cáuculo. Há uma grande discussão hoje em dia sobre o caráter artístico deste tipo de obra e em que medida são eles fruto de um trabalho criativo. Eu mesmo gosto um tanto de Escher. Qualificá-lo como artista ou como arte o que ele fez é absolutamente secundário para mim a maior parte do tempo.
Quanto ao tema em apreço.
Pensei em escrever um texto mais longo sobre o assunto, mas... “corro demais, corro demais...”
Por isso quero apenas dizer que concordo com Chico, se é que o entendo corretamente. E digo ainda, que da mesma forma que o crescimento pessoal motivado pelo processo criativo não se é prerrogativa exclusiva da arte, assim também ocorre com as implicações de sua publicação (entendida aqui como o ato de tornar algo público). Transformar a realidade é uma contribuição de cada um ao espetáculo do mundo, uma escolha que envolve autodefinição. Um dos criadores da Psicologia Gestalt dizia logo no início de um livro que era basicamente um trabalho científico: “Escrever um livro para publicação é um ato social. Seria justo uma pessoa pedir a cooperação da sociedade para esse empreendimento?”.
Sinto que existe no momento da criação um sentido distinto, muito embora possa ser na maior parte do tempo inseparável, do sentido do momento da publicação. Nenhum dos dois define por si mesmo a arte, mas são partes fundamentais dela.
Um abraço.

Unknown disse...

Acho bastante plausível afirmar que os fractais não são arte "per se"; Não obstante, seu uso pode constituir arte, mesmo que computadorizada, conforme a intenção do criador (ou artista, quem sabe). Lembro que música também é pura matemática, e não há qualquer questionamento de que seja uma das mais antiga artes.

Chico Expedito disse...

Na reflexão sempre falei das representações (artísticas?) dos Fractais. Acho também que só a intenção, ou o fato de alguém declarar que o seu trabalho é arte, não a qualifica como uma obra de arte. Falava da capacidade de transcender que uma obra de qualidade tem.
A musica pode ser matemática, mas não se cristaliza numa imagem fixa e fria como as representações dos fractais.

Herbert Macário disse...

Meus Caros,
Eu não sabia que a Fayga tinha este discurso sobre Escher. Acho meio doido duvidar de Escher e aceitar “bonecos empilhados” como arte. Fiquei até curioso para saber como ela analisava a fotografia no contexto da arte. Claro que o Sérgio tem toda razão que a classificação é secundária na maior parte do tempo. Mas não saberia como tratar Escher. E depois, ao tentar classificar o mundo não é o que nos define?

Achei muito interessante o que ele disse sobre o “tornar publico” como um ato social. E mais ainda, a separação do “ato de criar” com este “tornar público”. Acho que você (Sérgio) podia falar mais sobre essas coisas.

Concordo com Chico quando diz que satisfazer o individual é realmente muito pouco. Por isso que coloquei que a arte tem que ter várias funções. O prazer pessoal é apenas uma delas. Creio que também estava pensando em meus próprios preconceitos sobre a arte contemporânea e suas funções. Impressionistas, em seu início, eram rejeitados pela critica e pelo público. Van Gogh também! Monet transformou a arte do século XX e teve a sorte de ser reconhecido antes de sua morte. Vincent não! Nem tornar pública sua obra, ele conseguiu. Foi descartado antes.

Hoje estes profissionais das artes plásticas são “alimentados” mais pela critica especializada e o mercado de arte do que pelo público. Sei que de certa forma isso sempre ocorreu, mas será esta a função social da arte? Coisas que parecem herméticas e inúteis para o mundo... Obviamente algo no âmago do próprio artista o move a criar. Eis aquela função que falava. Por outro lado, em algumas exposições fico procurando algo que não encontro... Acho que é o mesmo que o Chico sente... Talvez seja uma definição romântica de arte... Não sei.

Pergunto: Vejo coisas que nada me servem... Mudará? Será que não acontecerá algo parecido como no impressionismo nas obras que vejo hoje? O que pode mudar? O publico? Eu? Será que há algo nesta arte que verei como transformadora?

E outra questão: E aqueles “Van Goghs” que mesmo ocultos de todos, precisam (!) criar. Eles só têm a si como público. Será que isso basta para ser arte? Será que para ser arte é necessário o “tornar público”?
Creio que minha reflexão sobre a função da arte não era sobre a arte individualista, mas sobre a não reconhecida. Por mim ou pelo público de arte.
O que vocês acham de tudo disso?
Abraço
Herbert