quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Entre Dois Séculos

Arte Brasileira Do Século XX
Na Coleção Gilberto Chateaubriand
Roberto Pontual


Quando estudamos história da arte somos apresentados a arte mundial. Quem já não ouviu os nomes Picasso, Monet, Dali, Da Vinci... e muitos outros. Por outro lado, deve-se admitir, que há uma certa perda de conhecimento quando se fala da arte no Brasil.

O título acima é do livro de Roberto Pontual, publicado em 1987, pela Editora JB. O autor, através da Coleção Gilberto Chateaubriand nos apresenta grandes artistas brasileiros. O livro é fantástico, repleto de imagens.

Nesta série vou pinçar alguns destes artistas e apresenta-los.
Meu critério de escolha é semelhante ao de Chateaubriand. Se faz mais por gosto pessoal do que por qualquer outro valor.

Para começar o prefácio de Gilberto Chateaubriand



Carlos Scliar – Retrato de Gilberto Chateaubriand
Nanquim s/ papel (30 x 21)
1979





Da Criação à coleção

Uma coleção, da mesma forma que uma obra de arte, só pode ser feita à mão. Diferentemente do artista, porém, o colecionador jamais conclui aquilo que começa: sempre há algo a conquistar, a modificar, a aprimorar. Talvez o drama do chef-d'oeuvre inconnu de Balzac não tivesse o mesmo peso se, no lugar do artista, tivesse um colecionador como protagonista. Se ambos têm em comum o trabalho solitário e paciente, que necessita tanto da razão quanto de sensibilidade, de conhecimento tanto quanto de instinto, eles divergem a partir do momento em que se coloca o problema da conclusão do esforço empreendido. Uma obra de arte que não chega ao fim nunca chega a ser mais do que potência, virtualidade; uma coleção que chega ao fim perde irremediavelmente seu potencial de realização. Paradoxal, sem dúvida, mas verdadeiro.

A coleção, objeto deste livro, construída ao longo de mais de 30 anos de paixão pela arte, não é conclusiva. Não se trata de apresentar um conjunto definitivo do que foi recolhido, muitas vezes ao sabor do acaso e do inesperado, como se o trabalho estivesse terminado. Ao contrário, mostrá-la ao público é assumir, ainda com mais ênfase, o dever da continuação. A coleção, tal como está exposta, é apenas uma demonstração do que ainda há por fazer.

Pois, se a obra de arte pode - e deve - ser terminada, o artista não pode estacionar. E nem a arte. É de sua natureza confrontar o espectador com novas realidades a cada momento, provocar nos outros a excitação da descoberta ­experimentada no ato de fazer a arte. E é da natureza do colecionador compartilhar desta excitação e saber situá-la, para que seja melhor compreendida, em um conjunto coerente, significante. É este o sentido da coleção e do trabalho do colecionador: explicitar o significado de um conjunto que, de outro modo, poderia permanecer disperso e, com isto, se perder.

A coleção mostrada neste livro não pode, assim, ser vista como um ponto final. Compreendendo obras da arte moderna e contemporânea brasileira de 1912 a 1986, ela procura extrair um sentido a esta produção, rica e diversificada como poucas no mundo, e que teve lugar em meio a dificuldades e crises por que o país passou nestes últimos 70 anos. Não é uma coleção exaustiva, sem dúvida. E nem poderia ser. Em primeiro lugar, porque o colecionador, sendo humano, não pode gostar de tudo ao mesmo tempo. Em segundo lugar, porque tentar ser exaustivo é querer abarcar ao mesmo tempo todos os significados possíveis, o que desembocaria em nenhum significado. Em último lugar, mas nem por isso o menos importante, porque, vivendo em uma sociedade de mercado, o acesso à obra de arte só se dá através de um meio quase sempre caprichoso e incerto, onde as oportunidades, quando aparecem, não estão ao nosso alcance da forma como gostaríamos. Seria necessário ser capaz de estar em todos os lugares ao mesmo tempo para poder aproveitá-las por completo.

Isto, por si só, justifica o que a coleção contém e aquilo que ela não contém. As ausências não representam, assim, apenas um julgamento de valor. Antes, refletem um gosto pessoal, a busca de um significado específico e as oportunidades que permitiram a sua constituição. E é através destes parâmetros que ela deve ser vista. Os ausentes não estão ausentes por demérito ou por injustiça, e nem os presentes por puro capricho. E, afinal, uma coleção não se avalia pelos vazios, mas pelos cheios: o seu conteúdo é o único critério válido de julgamento, é o que define seu significado.

De cerca de três mil obras foram decantadas, quase, 800 dando um apanhado singular da arte brasileira, reunido com amor e paciência através dos anos, por vezes sob condições adversas e quase impossíveis, outras vezes assumindo o risco do desconhecido e do incerto. O significado que ele explicita está aí, porém, à vista de todos, realizando parte substancial do destino para o qual ela se fez: tornar visível uma realidade, para utilizar uma frase de Paul Klee, para quem o papel da arte não é refletir o visível, mas tornar visível.

O resultado aqui apresentado não teria sido possível sem a audácia editorial do Jornal do Brasil que, na pessoa de Manoel Francisco do Nascimento Brito, assumiu o compromisso da realização desta obra. Ela surge em um momento ainda incipiente de nosso mercado de livros sobre arte, e quando são poucos os que tomam a si a tarefa de promover a cultura artística brasileira. Em meio aos vazios que se observam, a atitude do Jornal do Brasil tem ainda maior destaque e significação no quadro de escassez de material literário e iconográfico. Meus agradecimentos a todos que colaboraram com este livro.

GILBERTO ALLARD CHATEAUBRIAND



Glauco Rodrigues – Gilberto Chateaubriand
Tinta acrílica (190 x 190)
1984

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