quinta-feira, 29 de maio de 2008

A pobre ou rica função da Arte... Onde Estamos?




“A poesia é indispensável.
Se eu ao menos soubesse para que...”
Jean Cocteau


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Todos nós sabemos que Arte vem sendo tratada como mercadoria e como tal, Tem sido diminuída e adequada a conteúdos e formas mais simplistas e coloridas para que venda (não é nem o caso da figura acima, essa foi só para ilustrar). Dessa maneira, nivela por baixo seu conteúdo. A televisão influencia isso de uma forma surpreendente e com seu ritmo alucinado e obrigatoriamente compreensível para todos, por vezes nos subjuga..., blá, blá,blá, etc. e tal.
Independente desta constatação simples, que precisa ser desenvolvida e na qual já se gastaram rios de tinta, a arte continua tendo uma função e parece continuar sendo necessária, porque mesmo simplista e às vezes medíocre ela continua sendo consumida e ainda desperta grande interesse. Algum papel lhe é reservada nas nossas vidas. Nos dias de hoje esse papel pode estar confuso, ao sabor da moda, das vendas, de sei lá o que...(Às vezes duvido se uma criatura vai a uma peça de teatro pra ver a obra ou para ver o (a) artista, mas vale a pena continuar refletindo.
Encontrei esse texto, ainda de 1966, de Ernst Fischer. Gosto muito dele e quero dividi-lo, gostaria de comentários, mesmo dos que acham que não entendem, as vezes são os melhores. Quero entender melhor toda essa bagunça.

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“Como primeiro passo, é preciso advertir que tendemos a considerar natural (e aceitá-lo como tal) um fenômeno surpreendente. E, de fato, referimo-nos a algo surpreendente: milhões de pessoas lêem livros, ouvem musica, vão ao teatro e ao cinema. Por quê? Dizer que procuram distração, divertimento, a relaxação, é não resolver o problema. Por que distrai, diverte e relaxa o mergulhar nos problemas e na vida dos outros, o identificar-se com uma pintura ou musica, o identificar-se com os tipos de um romance, de uma peça ou de um filme? Por que reagimos em face dessas “irrealidades” como se elas fossem a realidade intensificada? Que estranho, misterioso divertimento é esse? E, se alguém nos responde que almejamos escapar de uma existência insatisfatória para uma existência mais rica através de uma experiência sem riscos, então uma nova pergunta se apresenta: por que nossa própria existência não nos basta? Por que esse desejo de completar a nossa vida incompleta através de outras figuras e outras formas? Por que, da penumbra do auditório, fixamos o nosso olhar admirado em um palco iluminado, onde acontece algo que é fictício e que tão completamente absorve a nossa atenção?
É claro que o homem quer ser mais do que apenas ele mesmo. Quer ser um homem total. Não lhe basta ser um individuo separado: além da parcialidade de sua vida individual, anseia uma “plenitude” que sente e tenta alcançar, uma plenitude de vida que lhe é fraudada pela individualidade e todas as suas limitações; uma plenitude na direção da qual se orienta quando busca um mundo mais compreensível e mais justo, um mundo que tenha significação. Rebela-se contra o ter de se consumir no quadro da sua vida pessoal, dentro das possibilidades transitórias e limitadas da sua exclusiva personalidade. Quer relacionar-se a alguma coisa mais do que o “Eu”, alguma coisa que, sendo exterior a ele mesmo, não deixe de lhe ser essencial. O homem anseia por absorver o mundo circundante, integrá-lo a si; anseia por estender pela ciência e pela tecnologia o seu “Eu” curioso e faminto de mundo até as mais remotas constelações e até os mais profundos segredos do átomo; anseia por unir na arte o seu “Eu” limitado com uma existência humana coletiva e por tornar social a sua individualidade.
Se não fosse da natureza do homem o não ser ele mais do que um individuo, tal desejo seria absurdo e incompreensível, porque então como individuo ele já seria um todo pleno, já seria tudo o que é capaz de ser.O desejo do homem de se desenvolver e completar indica que ele é mais do que um individuo. Sente que só pode atingir a plenitude se se apoderar das experiências alheias que potencialmente lhe concernem, que poderiam ser dele. E o que o homem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo de que a humanidade, como um todo, é capaz. A arte é o meio indispensável para essa união do individuo como o todo; reflete a infinita capacidade humana para associação, para circulação de experiências e idéias.”

3 comentários:

ST.Machado disse...

Belíssimo texto
Qual a fonte?
O Fragmento de Novalis lá em cima vai como comentário.
Há um livro científico que estou lendo no qual o autor diz que que "escrever um livro para publicação é um ato social". O segredo pra mim está em "para publicação". Pra mim há uma função da obra de arte que se realiza no ato da criação, que tem a ver com o espírito consigo mesmo, e outra, diferente, quando ela é "publicada". por mais que estas funções andem juntas a maior parte do tempo.
Um abraço.

PS. Hoje elogiaram o cartão que fizeste pra mim e pensei-te com carinho.

Chico Expedito disse...

Oi Sergio
Obrigado pelo Carinho.
A fonte é o Livro "A necessidade da arte" de Ernst Fischer - lançado pela Zahar.
Interessante essa idéia da função da arte também se realizar no ato da criação. Uma idéia simples e de uma verdade inquestionável, senão não haveria emoção, adrenalina no ato da criação.Acho que bate também, com outro argumento meu em que a arte é a extensão da vida do artísta. Quando é publicada, exposta ou estreada, concordo, cumpre sua função social.

Grande abraço

Herbert Macário disse...

Achei bem interessante esta questão.
Na verdade reflito sobre ela a muitos anos, e encontrei algumas respostas. Que são minhas respostas. Sei que talvez possa não agradar a maioria, mas... São as minhas considerações.
Talvez contribua para as suas reflexões.
O texto de Fischer apresenta algumas perguntas que venho buscando respostas.
Vamos lá:

1. “Por que distrai, diverte e relaxa o mergulhar nos problemas e na vida dos outros, o identificar-se com uma pintura ou musica, o identificar-se com os tipos de um romance, de uma peça ou de um filme? Por que reagimos em face dessas “irrealidades” como se elas fossem a realidade intensificada?”

A mente do homem funciona criando modelos abstratos, as idéias. Estas evoluem e se reorganizam. Elas não têm necessariamente um sentido único em si. É esta liberdade, esse ‘caos’ mental, que permite que se criem coisas. O homem criou um mundo fora do mundo. O dito “mundo das idéias” de Platão é verdadeiro neste sentido. Com o tempo, esse mundo se tornou nossa realidade. Mas ela não é clara. Carece de simplicidade lógica. Nossa realidade é construída e incompleta. A liberdade necessária para a mente ter idéias nos toma o sentido natural das coisas. O ser humano começa a achar que há algo mais. As irrealidades que ele fala tornam-se reais, na mente, pois nela reside nossa realidade. É uma questão de foco!

2. “Que estranho, misterioso divertimento é esse?”

Não acredito que seja somente um divertimento... É uma necessidade.

3. “por que nossa própria existência não nos basta?”

O homem se gaba de ser um animal racional, mas isso não é tão verdadeiro. Os animais são mais racionais do que nós. Vivem em função da lógica de seus estímulos e necessidades. O homem é na verdade um animal emocional. Esta sim é a grande diferença entre o animal homem e o “animal natural”. O mundo das idéias é aberto e móvel, não tem sentido em si. Por isso ele é tão hábil para juntar coisas e idéias. O homem procura o sentido perdido. O sentido é construído pela emoção.
É a emoção, em seus vários níveis, que mudou a face do planeta. Quando o homem avança em direção ao mundo das idéias, ele se distancia do mundo real.
Nos é negado um sentido lógico que todo animal natural possui. A sensação de ser parte de algo, e que sua existência tem um sentido simples e óbvio. Basta ser parte do todo. Não se importar com o problema da impermanência. O homem busca o inatingível, teme a perda e a morte. O mundo não é justo e não precisa ser. Na natureza não há dúvida: o mais forte vence, o mais rápido foge e o leão alimentado, não mata.
A emoção é o verdadeiro pecado original.

4. “Por que esse desejo de completar a nossa vida incompleta através de outras figuras e outras formas?”

A “falta” que o homem busca, nada mais é do que esta unidade perdida com o desequilíbrio da emoção. Surge o indivíduo. O “eu” que pensa, que busca o saber, é o mesmo “eu” que sente a solidão e a falta de sentido. Ser incompleto é normal. É algo que ganhamos com a faculdade de pensar emocionalmente.

“Não lhe basta ser um individuo separado: além da parcialidade de sua vida individual, anseia uma “plenitude” que sente e tenta alcançar, uma plenitude de vida que lhe é fraudada pela individualidade e todas as suas limitações; uma plenitude na direção da qual se orienta quando busca um mundo mais compreensível e mais justo, um mundo que tenha significação” E.F.

Assim, esta questão está muito além da arte. Nem todos buscam suprir esta “falta” na arte. Muitos buscam no esporte, nos prazeres, nos vícios, no trabalho, no consumo ou na religião.
A “significação” que ele se refere é o “sentido” inato que perdemos ao mergulhar no mundo abstrato do pensamento.
Perdemos o sentido natural que permitia sentir o simples prazer de ser. Precisamos construir sentidos para compreender sua falta de sentido. Não há justiça, a vida é mesmo dura e não existe um sentido maior para a vida. Constatar isso é muito doloroso para um ser movido pela emoção.

5. “Por que, da penumbra do auditório, fixamos os nossos olhar admirado em um palco iluminado, onde acontece algo que é fictício e que tão completamente absorve a nossa atenção?”

É a busca...

“O homem anseia por absorver o mundo circundante, integrá-lo a si; anseia por estender pela ciência e pela tecnologia o seu “Eu” curioso e faminto de mundo até as mais remotas constelações e até os mais profundos segredos do átomo; anseia por unir na arte o seu “Eu” limitado com uma existência humana coletiva e por tornar social a sua individualidade.”

O homem tenta retornar ao que foi perdido sem saber como...
Nesses séculos não aprendemos a lidar com a emoção. Discursamos sobre o amor, mas na maioria das vezes agimos pelo “eu” egoista. É a emoção em desequilíbrio que afasta o homem do homem. O medo, a dor, a dúvida, a ganância... Tudo resulta na busca de um sentido maior, que talvez não exista.

Acredito que podemos evoluir, mas para isso devemos abrir mão desse indivíduo independente, o “eu” deveria ser subjugado ao "nós". (Será possível?). Devemos confiar e ser parte do todo, de todos. Praticar a compaixão, fugindo da paixão.

Concordo que a arte é um dos caminhos, pois está sempre impregnando tudo. Mas ela não é, nem dá as respostas. A resposta está em assumir os medos e os desejos. Saber que nunca os silenciará. Estes são os componentes emocionais mais fortes. São eles que nos movem na procura de suprir esta “falta” de sentido. O homem quer controlar sem assumir que o mundo está fora de seu controle.

O homem tem dificuldade de ser mais que um indivíduo. Na verdade acredito que o homem sempre ruma na direção oposta, no desejo equivocado de ser um indivíduo pleno, totalmente auto-suficiente. E isso é impossível! Nesta tentativa ele perdeu boa parte de sua comunhão com o todo. O saber lógico-emocional o cega para o saber natural de “ler” o mundo. Na arte como nas outras buscas ele deseja reatar o vínculo com um todo que vai além de seu indivíduo emocional, mas muitas vezes reforçando o “eu”. O “eu” é a limitação do homem. A arte e outras re-ligações (os esportes, os prazeres, os vícios, o trabalho, o consumo ou a religião) servem como uma forma de tentar chegar a algo que nos é incompreensível. O “apoderar-se” do qual o autor fala é a busca!

Acredito que para calar o eterno “faltar” é o fazer. Mais do que assistir passivamente ou refletir sem rumo. Nesse sentido o fazer artístico promove a união. A arte deve ser feita por todos, mesmo que, em pequenas coisas. Não que engenheiros precisem tornar-se artistas, mas acho interessante que todos assumam de algum modo, em algum momento, uma prática criativa.
E acho que ao apresentar esse fazer criativo, faz-se um comunicar, uma união com o outro. O fluir deve ser incentivado. Este blog é um fluir, é um modo de comunhão com o todo. Acredito que uma das funções da arte é a de promover a comunicação e a união pela mútua compreensão.

Talvez mais importante que a arte, seja a filosofia como uma prática contra o desejo. A filosofia exercita a mente e pode libertar a consciência.

Quiçá minhas considerações contribuam para suas reflexões, ou não...