quinta-feira, 24 de julho de 2008

Série Opinião - Teatro

Série Opinião - Teatro

Final de Semana difícil






Pensei em fazer analises e não críticas de teatro para o Blog. Não sem relutar um pouco e pensar se esse é o papel de um ator que está no mesmo barco que todos os outros ou porque talvez não fosse muito ético comentar, nem sempre de forma elegante o trabalho dos seus pares. Cedi à tentação, primeiro porque acho que todos tem o direito a opinar sobre qualquer coisa que se coloca pública e segundo porque não há intenção da minha parte em ser ofensivo com ninguém em meus comentários, apenas entrar em considerações que no máximo pretendem enriquecer o debate sobre o teatro.

Acho que nós, artistas, produtores, patrocinadores, mas principalmente nós artistas, que na maioria das vezes, acreditamos fazer parte de uma tribo diferenciada, progressista e informada... Somos sim e devemos ser responsáveis também, pela formação cultural do público. Responsáveis em aprimorar o gosto, aumentar o grau de exigência e de informação das platéias É claro, sempre vai haver públicos diferentes para os diferentes estilos e gêneros teatrais, e é bom que exista diversidade na produção teatral e ainda, que cada artista tenha livre escolha para fazer o que bem entender desde que tenha ao menos compromisso com a qualidade. Acho também que a arte tem várias funções e dentre elas, a diversão é fundamental, mas também acho que a diversão pode ser esclarecedora e inteligente. Penso que por respeito a nossa arte, deveríamos ter mais cuidado, quando profissionalmente vendemos um produto. Cuidado em agregar a esse produto o seu devido valor e tamanho. Vemos com muita freqüência, talvez freqüência demais, trabalhos que são supervalorizados, tanto artisticamente quanto pela sua pretensa importância ou valor cultural.

Vi dois espetáculos neste final de semana, daqueles nos quais a gente fica pensando e sente que pode contribuir de alguma forma e discutir alguns pontos.

O primeiro foi “Maiakóvski - mosaiko”, dirigido por Cláudio Baltar, com Emilio de Mello e grande elenco. É uma montagem curiosa, que se define como um “instantâneo entre o happening e o espetáculo”.

Elenco bem intencionado, de iniciantes, tanto em malabarismos como em interpretação, que infelizmente não estavam prontos ainda para enfrentar uma tarefa tão árdua como teatralizar poemas de um autor tão orgânico e difícil como Maiakóvski. A direção, embora com mais experiência, mostra-se um tanto confusa e não consegue conduzir a ação, nem se apropriar do material humano e artístico que tinha para valorizar somente o melhor do que podiam e sabiam dar. Com isso o material literário que é fundamental também se perdeu.

Em um espetáculo estruturado a partir de poemas e fragmentos de texto, é de se esperar que o elemento principal seja a palavra, ou seja, que pelo menos se entenda e que se aprecie o que é dito em toda sua força e beleza. Pois bem, havia tamanha movimentação no palco, algumas marcas imprecisas, descontinuidades de raciocínio, buracos na linha emocional e tamanha necessidade de ação para justificar o que era falado que acabava por tirar a palavra do foco, dificultando o entendimento do todo, e prejudicando tanto a ação quanto o texto. Com a entrada em cena do ator convidado, Emilio de Mello, já quase no fim do espetáculo, um ótimo e experiente profissional, finalmente pudemos ouvir e desfrutar um pouco do belíssimo texto do Maiakóvski, mas apenas isso não chega para salvar o espetáculo que acaba pecando por certo amadorismo. A montagem fica distante da experimentação que a principio se propõe, e o público se ressente pela falta de rigor profissional.

O segundo foi “Pelo amor de Deus, não fale assim comigo”. De Maria Carmem Barbosa, Com Cissa Guimarães, Orã Figueredo, Josie Antello e Kadu Garcia, direção de Ivan Sugahara.

Como foi divulgado, o texto foi escrito por encomenda para uma atriz famosa que carrega e é o chamariz da produção. Texto que segundo o programa da peça, se diz “crítico, sagaz, poético... que reflete sobre as mazelas do povo brasileiro... que além de fazer rir, espera a identificação do publico, ser um alerta e um agente modificador...” Na verdade, o texto, é no máximo bem escrito, mas não agrega todos os valores citados, apenas alinhava assuntos, cria momentos alternados de humor e drama de gosto discutível, às vezes sem justificativa aparente nem credibilidade, resultando em uma história que acaba por soar forçada. Infelizmente a montagem também resulta em um engano, um desperdício de bons atores e atrizes. Os coadjuvantes, digamos assim, (destaque para o Orã Figueredo, como sempre muito bem) conseguem valorizar bastante o material que lhes é oferecido e criam personagens bastante divertidos, sempre obtendo um bom e incomum aproveitamento. Aproveitamento que a protagonista, que é sabidamente uma boa atriz, não consegue. Não é possível determinar, mas talvez a direção a tenha orientado noutra linha de interpretação, linha esta que não condiz com o que me parece ser, a única leitura interpretativa possível do texto, alguma coisa entre o caricato e o farsesco. Leitura, aliás, que foi assumida e desenvolvida com brilho pelo restante do elenco. Em vez disso, a atriz conduz seu personagem num tom de interpretação mais naturalista e meio blasé, mais próprio à televisão do que ao teatro.

A direção peca por este desequilíbrio nas interpretações, às vezes na condução da ação, em algumas marcas primárias e certa confusão visual no palco. Não consegue impor unidade a montagem.

O espetáculo, o texto e o elenco tem qualidades visíveis, e com pequenas correções na sua condução e concepção, poderia ser um exemplo acabado de uma boa comédia, simples e despretensiosa, isso se não pretendesse tomar ares mais importantes e mais sérios do que na verdade tem.

3 comentários:

Herbert Macário disse...

Caro Chico,
Sou o que se chamaria público leigo. Faz poucos anos que comecei a freqüentar teatros. Sou daqueles que valoriza, mas não tem grandes conhecimentos sobre o assunto.
Sou a favor do “gostar” sem justificativas, mas para evoluir em uma discussão é preciso referências. As minhas são outras. Ler críticas faz parte deste aprendizado. Nesse sentido seus comentários são muito bem vindos.
Fiquei até curioso a respeito do espetáculo de MAIAKÓVSKI. Estamos nos programando para ir assistir no próximo fim de semana.
Grande abraço

Anônimo disse...

Olá Professor, foi muito bom reencontra-lo no Teatro, depois de um década... e deixa pra lá.
Melhor ainda foi descobrir este blog e acho muito bom termos novos espaços para a crítica
teatral, ou como prefere análise. Afinal a blogsfera é um espaço livre e democrático, sem as
amarras e panelinhas da grande mídia. VIVA!!!!

No Dulcina, quando comecei meu bacharelado em Educação Artística, tive o privilégio de fazer
algumas matérias em artes cênicas, né professor, e com isso, fui contaminado pelo vírus do
teatro. Sempre que possível me arrisco pelas platéias, ávido em presenciar algo que me
acrescente e emocione.

Bem, quanto a análise da peça "Pelo amor de Deus, não fale assim comigo", gostaria de fazer
uma crítica ácida. Achei o texto profundo como uma poça d'agua, um texto fraco, um ajuntamento
de assuntos, que alterna humor e drama barato. Caberia em uma novela, nunca ao palco. A atriz
que encomendou o texto, atua como se estivesse no Projac, talvez confiante na sua imagem,
talvez mal dirigida, como os guardas municipais (des)orientando o trânsito. Uma atuação
totalmente sem tesão, quase uma menopausa.

Saí do espetáculo com a sensação de "Pelo amor de Deus, não devia ter ido". Para assistir
televisão é melhor ficar casa. Para mim, o CCBB é sinônimo de qualidade e fico decepcionado
quando caio nestas armadilhas, acho um disperdício de patrocínio e espaço.

Espetáculos assim me dão a certeza de que era melhor ter ido direto pro bar.
Um abraço

João Nilo

Chico Expedito disse...

Grande João Nilo
Foi um prazer lhe reencontrar também.
Fico feliz em ter contribuido na sua formação teatral, admiro gente curiosa e atenta.
Fico feliz também em saber que é frequentador do Blog.
Não preciso concordar com tudo que escreveu nem é a nossa função e está claro que você também não concordou com tudo que escrevi, mas gostei do comentário ácido e sem papas na lingua.
Acho que tem razão em relação ao CCBB e acredite, fiquei com a mesma impressão do SESC.
Espero que continue nos lendo e, principalmente continue comentando e dando sua opinião, infelizmente pouca gente o faz.
Grandíssimo abraço.