domingo, 6 de julho de 2008

Reflexões



Arte contemporânea



Gosto de ler, às vezes de escrever, mas sou melhor trabalhando as idéias alheias. Não tenho muitas idéias próprias e não vejo problema nisso, acho que nem todo mundo precisa ser genial.
O fato de não ser muito original não me impede de gostar de ler, assistir teatro, cinema, ver fotos, pinturas e arquitetura que trazem consigo idéias singulares e conhecimento de causa, ou seja, gosto de ter e ver nas obras dos outros algum critério, ousadia e critica. É revigorante e sempre um prazer enorme ver coisas boas e novas.
Escrevo isso porque até um determinado momento da minha vida, me preocupava e me obrigava a ler um livro, assistir a uma peça ou ver exposições até o fim, mesmo sem estar entendendo nada ou às vezes entendendo e não gostando. Achava que devia entender, tinha certa obrigação em ser inteligente, se não, pelo menos parecer inteligente. Enfim, a gente sempre tende a achar que o burro somos nós quando na verdade, a maioria das coisas que se vê por ai é que não fazem muito sentido, não nos dizem nada naquele momento ou às vezes, vá lá..., não estamos ainda preparados para aquilo. Isso acontece.
Não sei se acho engraçado ou se me incomoda algumas platéias de hoje, dispostas a gostar de tudo, pelo menos, tudo que já venha com algum selo marqueteiro, ou que seja “legal”, “bacana”, que tenda a virar ou que já virou moda. Vejo coisas impossíveis de se compreender, muitas vezes por que não há o que entender mesmo, e lá estão os eufóricos gritinhos de “uuuhhhhuuu” ou aplausos de pé, mesmo depois de um silêncio constrangido, daqueles que acontece quando ninguém sabe se acabou ou não o espetáculo. E todos nós com uma cara de muito inteligentes. Leio livros enfadonhos, com mais citações do que texto do autor, ou com parágrafos inteiros sem nenhuma idéia precisa, informação ou sentido, cheios de frases feitas ou de efeito que tornam o assunto cada vez mais distante, raso, sonífero e que na verdade só engrossam o livro. Pinturas indescritíveis e instalações constrangedoras. Não tem jeito, a gente fica com cara de babaca. Lembro então do que eu sentia, (vá lá..., sinto ainda às vezes). Essa necessidade de entender ou de pelo menos parecer inteligente é angustiante.
Pode-se dizer que o grau de exigência do público hoje em dia está diminuindo, ou então que estamos todos felizes em compactuar e viver uma ficção em vez da realidade. Pode-se dizer também que a culpa é da televisão que é rasa, da internet e outras coisas mais, não sei, só escrevendo outro artigo.
Outro dia vi um espetáculo francês já candidato ao sucesso, que se encaixa nisso. Um espetáculo dito infantil. É claro, havia virtuosismo, tinha qualidade e era muito bonito plasticamente, mas muito abstrato... abstrato demais até, e às vezes tedioso. Diria..., muito chato mesmo em alguns momentos, principalmente para uma criança.
Infelizmente temos que admitir mesmo que não gostemos, que muita coisa que a gente vê por ai é ruim mesmo e não tem nenhum fundamento. Entender isso sem se sentir culpado, convenhamos, melhora muito a vida da gente.
Daí me lembrei de alguns textos que li e que gostei. Reproduzo trechos abaixo. Seus autores são de séculos anteriores aos anteriores e mesmo assim continuam atuais. Eles não gostavam de citações, (o que critiquei e vou fazer), mas como não sou mesmo original, hei de se perdoado por uma causa maior, achando que pode ser necessário e interessante para alguns.


Michel de Montaige 1533-1592



Montaigne devia ser um sujeito divertido, viveu no século XVI e depois de viajar pelo mundo e perder um grande amigo e interlocutor, aos 37 anos se auto-enclausurou em um confortável castelo da família dedicando-se a um ócio útil para refletir sobre a vida e os homens. Sorte nossa.
Era um sujeito singular, e em um estudo de autoconhecimento acabou por observar o homem no seu todo. Suas reflexões variavam de temas clássicos e elevados até profundos pensamentos sobre o peido. Livre pensador sobre o humano, sobre suas diversidades e características, não sendo um cara moralista nem de princípios rígidos, era no entanto um pensador ético. Com uma cabeça aberta e receptiva a novas idéias, costumava questionar os costumes e valores aceitos no seu tempo.
Para ele, a educação da época não tinha como finalidade tornar as pessoas melhores e mais sábias, mas sim fazer delas pessoas mais cultas... “fulano sabe grego e latim, ele sabe escrever em verso e prosa. Será que ele se tornou uma pessoa melhor e mais sábia com isso?”, perguntava. Insistia que não valia quem sabe mais e sim quem sabe melhor.
Para ele o saber e sabedoria eram categorias diferentes de conhecimento. O saber compreendia a lógica, etimologia, gramática, o latim e o grego, mas Sabedoria seria um conhecimento mais amplo, impalpável e mais valioso, seria tudo que ajudaria o ser humano a viver bem, seria o que faria ter uma vida feliz e ética. Achava que “não havia uma razão legitima para que os livros sobre a humanidade serem difíceis e enfadonhos” e que “o tédio pode ser um indicador valioso do mérito de um livro” ou ainda que “deveríamos nos conceder o direito de perder a paciência com nosso material de leitura” mesmo porque “uma obra complexa nos oferece uma escolha: Devemos julgar o autor inepto por não ser claro ou devemos nos julgar estúpidos por não conseguirmos captar o que está acontecendo?”.

Castelo de Montaigne



Algumas de suas frases:


“A palavra é a metade de quem pronuncia, metade de quem escuta”.
“Os homens tendem a acreditar, sobretudo, naquilo que menos compreendem”.
“Se o homem fosse sábio, mediria o verdadeiro valor de qualquer coisa de acordo com a sua utilidade e pertinência em sua vida. Somente o que nos faz sentir melhor merece ser compreendido.”
“Os esforços se concentram apenas em encher a memória e não deixamos espaço para o entendimento da vida, a noção do certo e errado.”
“Ser ininteligível oferece uma proteção sem paralelo contra o fato de não se ter nada a dizer.”
“Ganhar uma guerra. Dirigir um país, são feitos brilhantes. Rir, criticar, comprar, vender, amar, odiar, conviver em harmonia com a família, sem ser relapso ou insincero consigo mesmo, são coisas mais marcantes, mais difíceis. Vidas anônimas são tão importantes e com tanta dificuldade quanto a dos que realizam grandes feitos”.
“É ridículo não se conhecer a si mesmo e conhecer Aristóteles”.
“Mesmo no mais elevado trono do mundo, continuaremos sentados sobre os nossos cús.”

Arthur Schopenhauer 1788-1860


Schopenhauer, não era tão divertido assim, acabou influenciando gente como Nietzsche e Beckett. Viveu no século XVIII e parece ter sido um cara bastante solitário e pessimista. Um filho da mãe, que não se dava bem com a mesma.
Melancólico, viveu de pensão da mãe numa pensão quase familiar os seus últimos vinte e cinco anos, para onde levava seus amores fáceis. Depressivo, gostava muito do seu cão, dizia que entre eles, os cães, "contrariamente ao que ocorre com os homens, a vontade não é dissimulada pela máscara do pensamento”.
Não gostava de traduções, ou seja, não gostava do material que estamos lendo, e recomendava que as pessoas escrevessem “seus próprios livros dignos de serem traduzidos e deixassem as outras obras como elas são”. As traduções eram “necessariamente imperfeitas”.
Também gostava de clareza numa obra, criticava autores que escreviam “torrentes de palavras na mais insuportável prolixidade” ou ainda em “um estilo cientifico e profundo no qual o leitor era martirizado pelo efeito narcótico de períodos logos e enviesados”. Brigou contra a falta de clareza, a prolixidade e os neologismos que para ele “seriam indícios de uma tentativa de dar aparência erudita e profunda a textos sem conteúdo”, textos “que pareciam significar mais do que diziam”, onde a “ininteligibilidade era considerada como disfarce dos maus escritores”.
Achava que na sua época se valorizava muito “a informação, não a instrução”, enquanto dizia que a informação era apenas um mero meio para instrução. Ela, a informação, teria pouco ou nenhum valor por si mesma.
Foi ignorado no seu tempo e conviveu com muitas críticas desfavoráveis, chegou a tentar dar aulas sem sucesso e obteve reconhecimento somente no final da vida.
Depressivo a maior parte do tempo, dizia: “o prazer é um momento fugaz de ausência de dor e não existe satisfação durável. Todo prazer é o ponto de partida de novas aspirações e sempre em luta por sua realização”.
No entanto tinha esperança, achava que o homem podia tornar-se bom e isso seria conseqüência moral do desaparecimento da sua individualidade e que “ao espírito de luta contra seus semelhantes segue-se o espírito de simpatia”. Mesmo assim ainda falam que ele era pessimista. Viveu bem os últimos dois anos de vida, reconhecido e feliz, acho e tomara.


Escreveu coisas assim:


“Essa pessoa deve ter pensado muito pouco para poder ter lido tanto”
“Ler quer dizer pensar com a cabeça alheia, em lugar da própria”
Sobre Plínio, o velho – “O homem tinha tanta falta de pensamento próprio, que era preciso um afluxo continuo de pensamentos alheios”
“Preencher com palavras e frases as lacunas de clareza em seu conhecimento, esse é o problema e não a aridez do assunto que torna a maioria dos livros tão incrivelmente entediantes, um bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido”
“Por sabedoria entendo a arte de tornar a vida mais agradável e feliz possível”
“Talento é quando um atirador atinge um alvo que os outros não conseguem. Gênio é quando um atirador atinge o alvo que os outros não vêem”

"A peruca é o simbolo mais apropriado para o erudito puro. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios"

Portanto, acho que podemos largar um livro no meio, levantar da cadeira em um espetáculo quando der vontade, olhar para outro lado na exposição, desligar o DVD... Tudo isso sem culpa, é nosso direito.

4 comentários:

Herbert Macário disse...

Meu caro amigo Chico...

Sou obrigado a discordar de você quando fala de suas limitações criativas... O problema é justamente outro. Ser criativo e inteligente é que cria o destoar. Pense na criatividade como um ato de escolha. Uma edição. Você, mesmo com tanto lixo no mundo, sabe escolher o que gosta. Escolhe autores como Montaigne e Schopenhauer...
Sou fotógrafo. Minha arte está principalmente em escolher para onde apontar minha câmera e quando apertar o botão. Falando assim não parece muito criativo.

Concordo com você, tem muita coisa sem sentido, ou que precisa do texto incorporado a obra. Pessoalmente prefiro gostar de uma obra sem ter que ler um tratado sobre arte contemporânea ou medieval.
O seu problema é que cisma em pensar com a própria cabeça, e quando se depara sozinho em suas idéias se sente meio doido.

Sei como se sente. Há um certo constrangimento ao expor algumas idéias, principalmente com o cuidado de não chamar a turma “uuuhhhhuuu” de idiota. O que fazer? Se eles perguntarem... Bem, é só ter um pouco de tato. E realmente faz bem não ter que engolir certas barbaridades.
Por outro lado, coisas que acho muito interessante podem não ser apreciadas pela maioria. E aí, eu pareço o idiota. O que fazer? Tem que saber ouvir...

O que acho mais importante é a discussão das coisas. O debate aberto é difícil. Pelo excesso de coisas capazes de se usar como referência ou a falta de critérios comuns para se ver uma obra. A discussão muitas vezes fica difícil até por falta de uma linguagem comum. Já passei pelo tormento do próprio português ser o limite da conversa.

Acredito que um bom começo seja o “gostar”. Pessoal e intransferível. Não o “compreender”. Acredito até que se pode gostar de algo justamente por não compreender... Este é um motivo tão bom quanto qualquer outro. E não digo em aceitar como uma verdade, pois o “gostar” é uma sintonia de identificação. Ou ao contrário, o não gostar. Ter algo que provoque. Por que não? Pessoalmente concordo com Montaigne: “Se o homem fosse sábio, mediria o verdadeiro valor de qualquer coisa de acordo com a sua utilidade e pertinência em sua vida. Somente o que nos faz sentir melhor merece ser compreendido”. (Genial! É, ele devia ser um cara divertido... gosto dele...)

Às vezes as pessoas têm medo de expressar o seu “gostar”. O gosto traz um sentido próprio para quem gosta. Quando dito de forma clara pode ser bem fecunda. “Eu gosto, porque para mim...”.
Na arte falta o público opinante. Falta o indivíduo possuidor de um hábito de conversar abertamente sobre arte. Sem medos. Aí a história da arte faz falta, mas não creio que seja um limitador. E acho realmente terrível ser guiado por marqueteiros, que são pagos para ditar moda... Houve um tempo em que eram os pensadores que formavam opinião. Hoje, qualquer Big Brother pode ser levado a sério... ahhh... Montaigne...
Falta o olhar crítico pessoal... O indivíduo. Não há porque temer a própria opinião.
Tudo é válido desde que se tenha motivos sinceros.
Sabedoria se difere de conhecimento porque sabedoria se articula com a prática!

“Por sabedoria entendo a arte de tornar a vida mais agradável e feliz possível” Montaigne

Um abraço
Herbert

Chico Expedito disse...

Amigo Herbert
Eu gosto do que você escreve, lança questões e etc., mas... Não sei se entendi tudo ou direito. Li e reli e fiquei pensando se estávamos falando do mesmo assunto.
No decorrer do comentário, coloca idéias interessantes, mas que nem sempre acho correspondência direta com as da minha postagem. É a segunda vez que isso acontece e a não ser que não esteja sendo claro de propósito, por gentileza sua, achando que vai me ofender por alguma coisa que escrever o que não vai acontecer, garanto,... Acho que essas idéias, interessantes como são, merecem uma reflexão a parte, uma postagem que pode até ter como ponto de partida a minha, mas que ampliasse o discurso para outros pontos, que é o que na verdade você faz. Isso tornaria mais rico o Blog e as questões abordadas.
No mais, quase parei de ler quando não entendi.
Abração.

Anônimo disse...

Uééé... agora quem não entendeu fui eu... rsrsrs
Chico, antes de mais nada, adorei suas reflexões, concordo plenamente, ainda mais agora, que estou debruçada sobre uma monografia que, a princípio, será lida por apenas uma pessoa... tô até pensando em postar no blog, para não parecer trabalho inútil... rsrsrsrs
Tô acompanhando as “reflexões” de vcs dois, e sem querer fazer o papel do advogado de defesa, achei que o comentário do Herbert dialogava com o seu texto, sem discordar do seu pensamento... Embora, ele realmente tenha pensado em colocar como uma nova postagem, principalmente, por conta do tamanho.
Bem, essa é a minha opinião...
Um grande abraço!
Antonia

Chico Expedito disse...

Amigos...
As palavras talvez estejam nos traindo, penso que não devemos criar uma discussão imensa sem que ninguém tire proveito.
Esqueci de agradecer os elogios, obrigado, mas estava tentando falar de outra coisa e o problema não é a discordância, com essa a gente sempre vai conviver, vai levando e é bom.
Na verdade, o texto do Herbert pra mim, (e pode ser só pra mim) ficou confuso ou faltou clareza e, neste caso (o outro texto a que me referi também, pra mim tinha o mesmo problema) pensei que pela sua gentileza verdadeira, (sem ironias) tenha tido cuidado em se colocar. A questão é que quando se lê um comentário sobre um texto, fica-se o tempo todo procurando referência no primeiro.
A questão principal... Continuo afirmando é a correspondência direta que eu não senti ou não percebi, acho que amplia de uma forma desordenada o discurso e juntando-se a isso as boas reflexões que contém e com a forma bem pessoal de pensar sobre a vida e a arte que tem, achei que mereciam e merecem serem desenvolvidas. Talvez eu discorde só depois de publicada.
A idéia da monografia é ótima, pelo tamanho, podemos publicar em capítulos.
Abraços