Acho que nós, artistas, produtores, patrocinadores, mas principalmente nós artistas, que na maioria das vezes, acreditamos fazer parte de uma tribo diferenciada, progressista e informada... Somos sim e devemos ser responsáveis também, pela formação cultural do público. Responsáveis em aprimorar o gosto, aumentar o grau de exigência e de informação das platéias É claro, sempre vai haver públicos diferentes para os diferentes estilos e gêneros teatrais, e é bom que exista diversidade na produção teatral e ainda, que cada artista tenha livre escolha para fazer o que bem entender desde que tenha ao menos compromisso com a qualidade. Acho também que a arte tem várias funções e dentre elas, a diversão é fundamental, mas também acho que a diversão pode ser esclarecedora e inteligente. Penso que por respeito a nossa arte, deveríamos ter mais cuidado, quando profissionalmente vendemos um produto. Cuidado em agregar a esse produto o seu devido valor e tamanho. Vemos com muita freqüência, talvez freqüência demais, trabalhos que são supervalorizados, tanto artisticamente quanto pela sua pretensa importância ou valor cultural.
Vi dois espetáculos neste final de semana, daqueles nos quais a gente fica pensando e sente que pode contribuir de alguma forma e discutir alguns pontos.
O primeiro foi “Maiakóvski - mosaiko”, dirigido por Cláudio Baltar, com Emilio de Mello e grande elenco. É uma montagem curiosa, que se define como um “instantâneo entre o happening e o espetáculo”.
Elenco bem intencionado, de iniciantes, tanto em malabarismos como em interpretação, que infelizmente não estavam prontos ainda para enfrentar uma tarefa tão árdua como teatralizar poemas de um autor tão orgânico e difícil como Maiakóvski. A direção, embora com mais experiência, mostra-se um tanto confusa e não consegue conduzir a ação, nem se apropriar do material humano e artístico que tinha para valorizar somente o melhor do que podiam e sabiam dar. Com isso o material literário que é fundamental também se perdeu.
Em um espetáculo estruturado a partir de poemas e fragmentos de texto, é de se esperar que o elemento principal seja a palavra, ou seja, que pelo menos se entenda e que se aprecie o que é dito em toda sua força e beleza. Pois bem, havia tamanha movimentação no palco, algumas marcas imprecisas, descontinuidades de raciocínio, buracos na linha emocional e tamanha necessidade de ação para justificar o que era falado que acabava por tirar a palavra do foco, dificultando o entendimento do todo, e prejudicando tanto a ação quanto o texto. Com a entrada em cena do ator convidado, Emilio de Mello, já quase no fim do espetáculo, um ótimo e experiente profissional, finalmente pudemos ouvir e desfrutar um pouco do belíssimo texto do Maiakóvski, mas apenas isso não chega para salvar o espetáculo que acaba pecando por certo amadorismo. A montagem fica distante da experimentação que a principio se propõe, e o público se ressente pela falta de rigor profissional.
O segundo foi “Pelo amor de Deus, não fale assim comigo”. De Maria Carmem Barbosa, Com Cissa Guimarães, Orã Figueredo, Josie Antello e Kadu Garcia, direção de Ivan Sugahara.
Como foi divulgado, o texto foi escrito por encomenda para uma atriz famosa que carrega e é o chamariz da produção. Texto que segundo o programa da peça, se diz “crítico, sagaz, poético... que reflete sobre as mazelas do povo brasileiro... que além de fazer rir, espera a identificação do publico, ser um alerta e um agente modificador...” Na verdade, o texto, é no máximo bem escrito, mas não agrega todos os valores citados, apenas alinhava assuntos, cria momentos alternados de humor e drama de gosto discutível, às vezes sem justificativa aparente nem credibilidade, resultando em uma história que acaba por soar forçada. Infelizmente a montagem também resulta em um engano, um desperdício de bons atores e atrizes. Os coadjuvantes, digamos assim, (destaque para o Orã Figueredo, como sempre muito bem) conseguem valorizar bastante o material que lhes é oferecido e criam personagens bastante divertidos, sempre obtendo um bom e incomum aproveitamento. Aproveitamento que a protagonista, que é sabidamente uma boa atriz, não consegue. Não é possível determinar, mas talvez a direção a tenha orientado noutra linha de interpretação, linha esta que não condiz com o que me parece ser, a única leitura interpretativa possível do texto, alguma coisa entre o caricato e o farsesco. Leitura, aliás, que foi assumida e desenvolvida com brilho pelo restante do elenco. Em vez disso, a atriz conduz seu personagem num tom de interpretação mais naturalista e meio blasé, mais próprio à televisão do que ao teatro.
A direção peca por este desequilíbrio nas interpretações, às vezes na condução da ação, em algumas marcas primárias e certa confusão visual no palco. Não consegue impor unidade a montagem.
O espetáculo, o texto e o elenco tem qualidades visíveis, e com pequenas correções na sua condução e concepção, poderia ser um exemplo acabado de uma boa comédia, simples e despretensiosa, isso se não pretendesse tomar ares mais importantes e mais sérios do que na verdade tem.