domingo, 28 de junho de 2009

O pop não poupa ninguém



Por Paulo Brabo

http://www.baciadasalmas.com/



A fama é o pecado de se tornar importante para alguém que você não conhece e que não conhece você.

Diz-se da pornografia que ela é degradante para os homens e mulheres que se despem e se rebaixam ao sexo explícito em benefício do espectador. Porém o segredo da pornografia, a verdadeira chave de sua atração e de sua consagração, está em que ela é tão degradante para o espectador quanto para o envolvido na sua produção. Nada há de inerentemente humilhante ou atraente no sexo, mas a pornografia oferece um pacto mútuo de desumanização, e nisso reside o seu apelo.

A fama e a pornografia são indistinguíveis nisso, no que fornecem um mesmo acordo de desumanização entre produtor e consumidor, entre artista e espectador, entre famosos e fãs.

Absolutamente ninguém encarnou melhor essa potência do que Michael Jackson, o homem mais irresistível do mundo, o rapaz bonito que se desfigurou publicamente porque, muito evidentemente, nós o desfiguramos. Agora que a Fera está morta podemos reconhecer, como numa reviravolta muito rasa de Shyamalan, que os desfigurados somos nós, porque adoramos um homem que não conhecíamos e o destruímos no processo. A fama não cria deuses, só cria bodes expiatórios.

Um homem derramou a sua beleza por nós, e nós o consumimos.

3 comentários:

Herbert Macário disse...

Bem... eu resisti...

Não creio que ele tenha derramado alguma coisa APENAS por “nós”
Concordo que a fama pode ser extremamente destruidora, mas há um deixar-se destruir que pertence ao campo da doença ou da imaturidade.

A desumanização na arte é triste, mas evitável
Creio que o desejo de ser ou fazer algo “supremo” pode provocar este lamentável efeito

ST.Machado disse...

Bem.
Quando Paulo fala em “nós” no texto, não creio que ele fala naqueles que adoraram MJ. Mas de toda uma sociedade na qual ele foi um fenômeno possível. E penso que, muitas vezes, o desejo de se colocar “de fora” da corrente acaba sendo uma forma de definir em negativo. Houve alguém que disse que fazer exatamente o oposto também é uma forma de imitação. Muitas vezes a gente se deixa definir por aquilo que negamos quase tanto que pelo que fazemos. De modo que não sei bem se é possível ter vivido o período que vivi e não estar dentro deste “nós”. Eu, pelo menos, não faço questão de estar de fora.
Ele era “irresistível” não porque todos fossem obrigados a agir com ele da mesma forma reverente, mas porque marcou de tal modo uma geração que se tornou impossível viver num mundo em que ele não existisse, da mesma forma que ficou impossível viver num mundo sem a questão palestina. O simples fato de resistí-lo mostrou sua presença inevitável.
O que o autor propõe aqui, e é uma proposta extremamente radical e profunda, é que ao aceitar o jogo da fama, da mesma forma que o da pornografia, o que está em jogo já não são mais pessoas reais e vivas, mas algo ao mesmo tempo muito maior e muito menor. Quando ele diz que um homem se derramou por nós, é que ele concordou em fazer parte de um jogo que era muito maior do que ele mas que exigia o seu sacrifício para se realizar. E isso ocorre dos dois lados da relação.
Da mesma forma que na pornografia o jogo da fama exige que quem joga se despoje um pouco de si. Pelo menos durante o tempo que dura o jogo o humano é menos que humano, desumano. Pelo menos enquanto o jogo ocorre a desumanização é sim inevitável, e não te nada a ver com a arte.
Mas é claro que nem todos se deixam absorver na fama, do mesmo modo que nem todos se deixam absorver na pornografia. Alguns o fazem. E estes se mostram “bodes expiatórios” que mostram a verdadeira natureza de tudo isso.

Herbert Macário disse...

Confesso que não havia visto com a profundidade que me mostrou.

Creio que a comparação entre fama e pornografia cabe quando se fala de fãs (Admirador exaltado). Existe um forte componente emocional que vincula os dois de forma arrebatadora. Neste sentido a sanidade e a maturidade do artista (ou famoso) o protegeria. Mas não acredito que possa ser generalizado.

Quando falamos de produtores, consumidores, artistas e espectadores de forma mais ampla, não creio que haja um jogo necessariamente firmado a nível que ele descreve. Eu mesmo achava o trabalho de Michael bom, interessante, criativo... mas nunca fui fã.
Por isso afirmei ter resistido. Mesmo que o mundo tenha se moldado a MJ, diretamente eu resisti. Sim... sem dúvida neste caso, e em muitos outros, me defino em negativo. O antagonismo existe e é necessário para o equilíbrio. E não creio que oposição não seja imitação...

“Quando ele diz que um homem se derramou por nós, é que ele concordou em fazer parte de um jogo...”
No caso específico dele... Será que ele concordou? Até que ponto alguém como ele, pode ter esta escolha? Muito jovem esta vida lhe foi imposta! Talvez ele nem percebesse que poderia ter opção... Não sei...

Será que a desumanização é inevitável? Ou desejada?
Será que o jogo da fama é mesmo inevitável?
Será que o jogo não é a forma que permite a busca do poder? O busca do poder que seja o problema quase inevitável?
Será que não é possível ficarmos em campo, mas fora do jogo?

Creio que o jogo da fama é uma forma que possibilita realizar o desejo da “sensação de ser supremo” e compensar o medo e o vazio inerente ao homem.
O que vale para os dois lados da fama.

Concordo!
“A fama não cria deuses, só cria bodes expiatórios.”

Abraço