Outros
Uma coisa é certa, o ser humano sempre teve prazer em se retratar. No Renascimento, com o homem se tendo como (e se achando) “o centro do universo”, os artistas se serviram do auto-retrato para deixar sua imagem para posteridade, sempre deixando um rastro dos seus estados d’alma.
Mas já no Antigo Egito, Ni-Ankh-Ptah, fez questão de deixar registrada sua fisionomia em um monumento que construiu. O Grego Fídias, na Grécia Clássica se imortalizou numa das esculturas do Partenon.
“O auto-retrato se tornara uma questão de orgulho para os mestres de ateliê durante o sec. XV. Suas fisionomias eram dissimuladamente inseridas na orla de uma multidão pintada ou esculpidas. No auto-retrato, o artista reflete sua imagem externa, assim como estados emocionais, contextos sócio históricos, que circunscrevem a obra, além dos questionamentos sobre maneiras de se ver e de se lidar com arte”.
Peter Paul Rubens
”A “Ressurreição”, obra de por Piero della Francesca em 1490, pintada para prefeitura de Borgo San Sepolcro, sua terra natal. Na sua visão contemplativa, fatos observáveis são naturalmente simbólicos. Essa imagem suprema traduz a transição do dia para noite, do adormecer para o despertar, do inverno para primavera (a esquerda da pintura os ramos parecem mortos, os da direita pulsam com vida), da morte para vida. O guarda que inclina a cabeça para trás contra o tumulo pode ser um auto-retrato, o que faria dessa pintura um sonho (um desejo) de Piero”.
“Em 1656, Velasquez pintou “as meninas”, não se sabe a quem retratou ou quem era o centro das atenções: Os reis de Espanha, suspeitados em um espelho ao fundo? A Infanta real, no centro? A si próprio, no canto esquerdo? Ou o observador ao fundo? Opção pelo ambíguo, um discurso indireto, da retratação ausente. Esse também é um distintivo da arte moderna e contemporânea”.
Do outro lado do mundo, o auto-retrato também era uma pratica comum. Veja o Coreano Yun-Du-So em 1710, membro da nobreza rural que se dedicava a promover a ciência e a inquirição intelectual. Além de pintar e compunha poemas e musica.
Auto-retrato de Shitao (ou Daoji) 1700, ele praticava um monasticismo budista e explorava a antiga tradição taoísta. No auto-retrato, se coloca como um solitário no cimo da montanha (esse motivo tinha pelo menos uns dois mil anos de historia). Nas curvas e borrões que compõem a montanha, repousa o principio cósmico duradouro ou a força vital. Está em contraposição ao de You-Du-So, que tem uma forte influencia do comércio entre oriente e ocidente. O escrutínio interior simbolizado por Dürer fora retomado por um polígrafo aristocrático envolvido num movimento de reforma que vinha modernizando a variante coreana do confucionismo num diálogo com textos ocidentais. A Coréia, nessa época, havia algum tempo, não era importunada por seus vizinhos dominadores, a China e o Japão”.
Philip Guston
“Philip Guston, pintor abstrato de Nova York em 1969. A sua imagem ironiza o auto-retrato filosófico de um velho mestre – Velasquez, “as meninas” – A tela se chama “o estúdio” e o pintor se veste em um traje sinistro e ridículo da Ku Klux Klan. A tradição como um todo se tornara absurda, cúmplice do mal político.- que tipo de homem sou eu, sentando-me em casa, lendo revistas, nutrindo uma fúria frustrada por causa de tudo – e então indo ao meu estúdio para ajustar um vermelho a um azul - ”
Pensando bem, as pessoas sempre deram um jeito de aparecer ou se expressar. Nós, artistas de hoje (nem todos são assim e nem todos são artistas), com os meios que dispomos para nos expor, fazemos tudo isso e mais alguma coisa, podemos dizer até que, comparados com a gente, eles são muito discretos.
De qualquer forma e independente do que se diga a respeito do auto-retrato, ele continua encantando, levantando questões e me deixando curioso. Agradeço e fico com Rembrandt quando ele diz:
“Quererão saber que espécie de pessoa eu fui”.
Os textos em verde foram retirados ou inspirados na obra “UMA NOVA HISTORIA DA ARTE” de Julian Bell.
2 comentários:
Chico,
Muito bom!!
O texto me trouxe algumas reflexões interessantes...
Não sei se para mim funciona igual a Rembrandt... Mesmo porque não os divulgo muito.
Talvez para mim seja um jogo de esconde-esconde.
Uma provocação para ver quem acha a parte de mim quero mostrar...
Grato!
Ótima postagem, vou deixar para amanhã o Bruxo Hermeto.
Faço uma sugestão para os fotógrafos e artistas do 4 Portas. Que tal a publicação de auto-retratos?????
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